Por Deivis Luz, Henrique Ternus e Melissa Costa
Sapiranga – A casa do ex-agricultor, Johann Schmidt, um dos primeiros imigrantes alemães que fixaram residência em Sapiranga, hoje se encontra em ruínas. Batizada de Casa Johann Schmidt, de estilo enxaimel, o imóvel é o único bem tombado no município e com grande importância cultural dentro da colonização germânica no Vale do Sinos. De propriedade da Fundação Cultural e de Meio Ambiente de Sapiranga, que recebeu o imóvel através da doação de uma empresa, a casa e toda a sua história que necessita ser preservada é alvo de um Termo de Acordo Extrajudicial, liderado pelo 1º promotor de Justiça da Promotoria de Sapiranga, Michael Schneider Flach. Para manter viva a história dos colonizadores, da inconfundível arquitetura germânica que veio na bagagem dos imigrantes, o promotor tem determinado uma série de medidas e estabelecido ações entre a Prefeitura de Sapiranga, empresas e a Fundação Cultural, com o propósito de preservar o que ainda resta da memória da colonização germânica no município.
Desde 2017, a promotoria sapiranguense está empenhada em estabelecer o cumprimento da lei. O primeiro movimento do MP sapiranguense que beneficiou à sociedade foi determinar o cumprimento de uma compensação ambiental à uma empresa que efetuou uma obra em desacordo com a legislação ambiental e o Plano Diretor de Sapiranga. Como pena imposta por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), uma empresa local foi condenada a efetuar uma série de melhorias no Parque Municipal do Imigrante de Sapiranga. Além disso, a Promotoria estabeleceu como condenação à empresa, a construção de uma casa no estilo Enxaimel, dentro do Parcão, para manter vivos os traços identitários da colonização germânica no município.
Em ruínas há anos, Casa Johann Schmidt deve ser restaurada após acordo extrajudicial entre MP, prefeitura e Fundação Cultural
Construída em 1845, pelo marceneiro e agricultor Johann Schmidt, a casa, de estilo enxaimel, necessita ser reconstruída. Mato alto no entorno, com aberturas e telhado caindo, compõem o cenário atual. Em 2015, o imóvel ganhou uma cobertura, de lona e vigas de aço, numa tentativa de conter a ação destrutiva do tempo e providenciadas pela Prefeitura. Passados quase cinco anos, à medida que custou R$ 20 mil aos cofres públicos, e que era paliativa, continua cravada no local. A última reforma do patrimônio foi realizada há 15 anos, para a realização dessa manutenção, na época, foram investidos R$114.864,40.
A Casa Johann Schmidt, que foi doada à fundação em 2006, é o único imóvel tombado de Sapiranga e, em medida mais recente, no último dia 13 de agosto, foi feito um termo de acordo extrajudicial entre Ministério Público, Prefeitura e Fundação Cultural e de Meio Ambiente, que visa a reativação e regularização da fundação, assim como a restauração do imóvel, antes que o prejuízo dele seja ainda maior, tanto em questão financeira quanto cultural. “Este imóvel precisa da restauração, precisamos dessa preservação. A fundação estava, digamos, adormecida, então fizemos o termo justamente para regularizar a situação dela e garantir que haja o restauro, antes que o pior aconteça. Por mais que haja um restauro, depois que um bem com tanto valor histórico sofre uma queda maior, a sua reforma também custará um pouco desse valor histórico”, pondera o promotor público.
Inventário do patrimônio histórico de Sapiranga em andamento
Entre 2019 e 2020, a Prefeitura de Sapiranga firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público local. Neste novo compromisso, caberá à equipe técnica da Prefeitura arrolar todos os bens imóveis edificados até o ano de 1969, produzir um inventário de todos os bens imóveis edificados até o ano de 1950 e efetuar o tombamento de todos os bens imóveis urbanos e rurais edificados até o ano de 1929. Por se tratar de um estudo muito técnico, detalhado e aprofundado, a arquiteta da Secretaria de Planejamento, Habitação, Segurança e Mobilidade, Ana Carolina Oliveira da Fonseca, elabora um Termo de Referência que abalizará a contratação de uma empresa. “Esta empresa será a responsável por elaborar as fichas descritivas da parte histórica, arquitetônica e detalhes de fachada. Com esse levantamento (que não tem data para iniciar, pois depende de licitação) será conhecido, preliminarmente, o grau de tombamento de cada imóvel. Além disso, será possível mensurar a importância de cada casa. Em uma projeção otimista, acredito que ainda em 2021 seja possível iniciar esse levantamento”, narra a arquiteta que acompanha o tema dentro da Prefeitura.
Alternativa complementar aos encaminhamentos para a legalização da Fundação Cultural adotada pela Prefeitura de Sapiranga é a criação de um Roteiro Histórico. A implantação desse roteiro, indispensavelmente, passa pela aprovação do projeto da Prefeitura de Sapiranga no edital 1/2020, do Ministério Público Estadual dentro do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (FRBL). “É um amplo e extenso projeto estruturado pela Prefeitura. Para a Casa Johann Schmidt, estimamos utilizar R$ 1.200.000,00 no projeto de restauro total. O restante do valor (R$ 3,8 milhões), seria utilizado para consolidação e implantação do roteiro, criando a Praça Genuíno Sampaio (incluindo decks e acessibilidade), estacionamento e rampa para a Cruz da Jacobina e, em frente à cruz, a criação de um memorial Mucker, que é um projeto idealizado em 2004 e que resgatamos. Ainda integram o roteiro, o Cemitério do Amaral”, explica a arquiteta Ana Carolina.
A secretária de Educação, Cultura e Desporto, Cláudia Kichler, cita ainda outro aspecto importante. “Ainda inserimos a compra de um ônibus para o roteiro, envolvendo as escolas municipais e toda a sinalização turística, em um projeto bem extenso e complexo. Vai ser um projeto muito bom, pois teremos a chance de criar um roteiro que valorizará o patrimônio histórico e cultural, não só da cidade, como da região”, cita Cláudia.
Melhor maneira de preservar é o uso do imóvel
A restauração de um bem tombado ou prédio de interesse histórico é um trabalho que exige recursos superiores e experiência qualificada. Uma das grandes dificuldades de quem possui um bem histórico é justamente conseguir mantê-lo. O promotor Michel Flach explica que para a demanda existem recursos que podem ser buscados junto à leis de incentivo à cultura e à preservação do patrimônio cultural. No entanto, Flach pondera que a melhor forma de manter um imóvel é habitá-lo e seguir com um trabalho constante de cuidado. “O uso e a manutenção constante é a melhor maneira de preservar. Sabemos que quando um imóvel vai à ruína ou chega ao ponto de desabar, as custas para erguê-lo mantendo as características, necessitam de muito mais investimento. Por isso, é tanto importante pensar no preventivo”, conclui.
Busca de alternativa para a restauração da casa
A assessora jurídica da prefeitura, Ramona Stein, explica que o município firmou o termo e está auxiliando e buscando alternativas para regularizar a Fundação Cultural e conseguir o restauro da Casa Johann Schmitt. “Hoje fazemos parte do processo para tentar de alguma forma auxiliar. Esse termo de acordo extrajudicial tem por objetivo fazer funcionar a fundação, para que ela não seja extinta, e também para fazer todas as reparações na casa (Johann Schmidt), e que o município auxilie no que for preciso”, disse ela, citando ainda que a prefeitura está na expectativa de conseguir os recursos através do projeto do Roteiro Histórico. “Se conseguirmos, faremos a restauração e depois a fundação passará o imóvel à prefeitura. Já apresentamos a proposta, mas ainda não saiu resultado”. Alinhada à essa tentativa de recurso, fundação e prefeitura já estão se mobilização para regularizar a entidade. Quando essa documentação estiver pronta, uma das cláusulas prevê repasse de R$ 15 mil anual do Poder Público, valor para auxiliar na manutenção da fundação. Caso a proposta da prefeitura não seja aprovada junto ao MP na busca de recurso, será necessário criar alternativa para conseguir o dinheiro necessário.
Preservação de imóvel da década de 1950 demonstra viabilidade
Um exemplo claro de que é possível, sim, manter preservado um imóvel antigo é visível no escritório da advogada sapiranguense, Micheli Ferreira. Situado na Rua Carlos Biehl, 362, no Centro de Sapiranga. A advogada possuía o desejo em preservar o casarão construído em 1951, e através de intervenções simples de engenharia, o imóvel ganhou o realce necessário e tem se destacado em meio a construções contemporâneas da área central do município.
À frente do projeto de restauro esteve a arquiteta sapiranguense, Maitê Martins, que procurou preservar ao máximo a originalidade da casa, como o telhado, paredes e elementos decorativos da fachada. “Somente substituímos o que não era possível restaurar e fizemos alguns reparos elétricos e hidráulicos, pois as instalações não comportariam o novo uso”, enumera a arquiteta: “Como essas casas antigas são bem espaçosas conseguimos ter espaços internos amplos, arejados e bem iluminados”, cita. Maitê entende que é importante preservar a história do município e restauros como a da propriedade da Carlos Biehl remetem boas lembranças aos sapiranguenses. “Trabalhar com edificações históricas vai além da estética, é a memória de uma cidade que é formada por edificações construídas em fases e tempos diferentes do crescimento urbano”, conclui. Pelas regras, este imóvel deverá integrar a listagem de propriedades com valor histórico no município.
Casa do Imigrante, sonho antigo do município, foi construída a partir de um Termo de Conduta
A viabilidade da construção da Casa do Imigrante no Parque Municipal do Imigrante de Sapiranga (Parcão) foi possível porque o MP estabeleceu como pena a construção da réplica de um imóvel com relevante significado cultural para o Vale do Sinos.
Entre 2011 e 2012, a empresa Urias Francisco Cintra Imóveis obteve a Licença Prévia (LP) para um loteamento, que seria construído no final da rua Montreal, no bairro Oeste de Sapiranga. Entretanto, esta LP não habilitou o início das obras, o que não foi cumprido pela empresa. Além disso, foi realizada a canalização de um curso hídrico (arroio) no local, que, segundo o secretário de Meio Ambiente do município, Ederson André Klein, o procedimento não constava na licença obtida e, sem autorização, é proibido por lei. “Neste caso, deve ser preservada uma área de 30 metros para cada um dos lados do curso hídrico. O correto seria a instalação de uma ponte, por exemplo”, ressaltou. Na época, o próprio Departamento de Meio Ambiente constatou o dano e tomou as medidas cabíveis a respeito da situação.
A partir do processo jurídico, o Ministério Público publicou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) à Urias, determinando que a empresa realizasse, em contrapartida aos danos na área do loteamento, obras de compensação ambiental em novas construções e melhorias no Parcão.
Entre as melhorias exigidas, como revitalização da pista de caminhada, doação de árvores e insumos, melhorias dos banheiros e churrasqueiras, além da instalação de equipamentos novos e reformados de academia ao ar livre, o MP exigiu a finalização do projeto e a construção da Casa do Imigrante.
Espaço funciona como museu da imigração
As obras para erguer a casa no estilo antigo, de modo similar à técnica enxaimel, utilizando-se de pedra de arenito (grés) como base e uma técnica de construção baseada na montagem de paredes com hastes de madeira encaixadas entre si, tiveram início em fevereiro de 2018. Quase um ano e meio depois, em 13 de julho de 2019, a Casa do Imigrante foi inaugurada, apresentando à comunidade um espaço de 203,52m², divididos entre sala de exposição, administração, dois sanitários, copa e um sótão habitável. O espaço é um museu, pois tem à mostra objetos e peças decorativas de época e que remetem aos imigrantes alemães que deram início à Sapiranga, numa tentativa de manter viva a história do município, bem como era o objetivo do promotor Michael Flach.