Comentário: Roubo da luz do dia!

Na Inglaterra de 1690, o rei Guilherme III precisava aumentar a arrecadação, para pagar dívidas pela derrubada do rei anterior, Jaime II e com a expulsão de seus aliados, além de enfrentar a crise que desvalorizou a moeda. A solução foi criar um imposto considerando o número de janelas das construções. A ideia foi também depois adotada pela França.

 

Um cobrador contava o número de janelas, não precisava sequer entrar ou depender da declaração do contribuinte. A justificativa, enganosa, era de que quanto mais janelas, mais ricos seriam os proprietários, tendo maior capacidade de pagar.

 

Ignorando que quanto maior a ganância por tributos, menor a arrecadação, o imposto foi aumentado e as pessoas passaram a fechar as janelas com tijolos ou gesso e a construir com menos janelas. Havia prédios com andares inteiros sem janelas e com fachadas de falsas janelas pintadas e algumas dessas construções podem ser vistas até hoje. Em 1746, o governo do rei George II foi mais longe e introduziu o imposto sobre vidros, apelidado de “imposto sobre a luz”. Uma consequência foi adoecer as pessoas e aumentar a mortalidade, com epidemias de tifo, varíola e cólera.

 

O escritor francês Victor Hugo muito bem criticou o imposto no romance Os Miseráveis: “…Há na França trezentas e quarenta e seis mil cabanas, cuja única abertura é a porta. A causa disto é o denominado imposto das portas e janelas. Imaginai um montão de pessoas, uma família numerosa composta de velhos e crianças, vivendo juntas em cada um desses domicílios sem ar nem luz e pensai nas febres e epidemias a que isto pode dar origem! Oh, dá Deus o ar aos homens e a lei o vende! Não acuso a lei, mas bendigo a Deus!…”

 

Em 1845, logo após a reintrodução do imposto de renda, o imposto sobre vidros foi revogado, permanecendo o sobre as janelas. Em 1850 parlamentares gritavam contra o “roubo da luz do dia”, expressão usada ainda hoje para algo ultrajante. Finalmente, no ano seguinte, a revogação foi aprovada na Inglaterra e outros 75 anos tiveram que se passar até que o imposto fosse revogado também na França.

 

O exagero dos governos, que ultrapassa os séculos, molda o comportamento do contribuinte na defesa da sua liberdade e propriedade e impacta a sociedade das mais variadas formas. Fiquemos atentos!

 

Maristela Cardoso da Rosa, advogada especialista em Direito Tributário na Arnold da Fonte & Cardoso da Rosa Sociedade de Advogados. OAB/RS 096.430