Estado – A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), deixará de ser controlada pelo Governo do Estado. Está marcada para outubro deste ano, na B3 – que é a Bolsa de Valores do Brasil -, a venda de 70% do controle acionário da empresa, que é responsável pelo abastecimento de água em 317 municípios gaúchos. A confirmação veio do próprio governador, Eduardo Leite, que justificou a privatização da companhia. “A Corsan não possui capacidade para conseguir triplicar os investimentos necessários e atender o marco regulatório do saneamento”, pondera Eduardo Leite. Aprovado em 2020, o Marco do Saneamento prevê que até 2033, as companhias precisarão ofertar o tratamento de esgoto para até 93% da população. Atualmente, os municípios possuem números inexpressivos e abaixo de 5% no tratamento do esgoto, que é uma das responsabilidades da Corsan, e a privatização, viria para captar recursos para conseguir tirar do papel projetos que se arrastam há décadas.
Ao justificar a necessidade de vender a Corsan, Eduardo Leite apontou que é necessário o montante de R$ 10 bilhões para dar conta do volume de investimentos necessários para atender as diretrizes do Marco do Saneamento. “A Corsan não possui capacidade de atingir esse montante e o Estado não tem como injetar recurso na companhia”, pontuou.
Porém, antes de privatizar a companhia, o governo estadual precisará derrubar um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), que tem andamento junto à Assembleia Legislativa, retirando a
necessidade de realização de plebiscito para a venda do controle da empresa. Não há prazo da proposta ir à votação.
Professor da Faccat avaliou o anúncio do governador
O professor da Faccat, Carlos Águedo Paiva, avalia que a decisão é extremamente complexa e delicada. “O problema do saneamento e da qualidade da água que chega às residências é um problema extremamente grave e um dos gargalos no processo de desenvolvimento e inclusão social no Brasil. Os investimentos em saneamento são caríssimos, o período de maturação destes investimentos é muito longo (em geral, são maiores do que a gestão de um prefeito ou governador) e as consequências sobre a saúde da população não são facilmente observáveis”, pondera o professor, reforçando que o governador está arriscando uma ‘bela jogada’, pois manteria o controle parcial, mas correndo riscos calculados.
Outro ponto observado pelo professor diz respeito a atratividade do setor de saneamento. “Por sua vez, esta é uma atividade – como tantas outras atividades concedidas (telefonia, energia elétrica, estradas pedagiadas, etc.) que pode dar muito lucro. E há muitas companhias interessadas no filão. E algumas tomam, por assim dizer, com excessiva seriedade a máxima de que a função da empresa privada é maximizar os ganhos e minimizar os custos. Mesmo que a minimização de custos envolva prestar serviços de pior qualidade”, cita o professor, contextualizando que conceder, totalmente, o saneamento à iniciativa privada, não é seguro, e só no Estado, fica pesado.
Questionado se o valor que a Corsan poderá obter com o I.P.O (Initial Public Offering) seria suficiente para atender as necessidades de investimentos dos 317 municípios que a Corsan atende, o professor foi categórico. “Claro que não vai adiantar nada neste sentido. Estas metas e perspectivas são totalmente fantasiosas. Por outro lado, há de se considerar que o governador não está afirmando que todos os investimentos da Corsan serão feitos com os recursos que ingressarão via IPO. Ele está dizendo que a abertura de capital pode permitir com o Estado assumindo uma participação minoritária, mas com algum controle (por ser o maior acionista) pode permitir acesso a um volume e padrão de financiamento que não tem acesso hoje”, pondera.
PREFEITA CARINA NATH E PREFEITO
DIEGO PICUCHA APROVAM MEDIDA
Para a prefeita de Sapiranga, Carina Nath, a privatização da Corsan poderá resultar em investimentos e qualificação da área no município. “O Estado do Rio Grande do Sul não possui recursos para ampliação do sistema, creio que a privatização da Corsan possa gerar maiores investimentos para o município, tanto na captação e fornecimento de água potável como no tratamento de esgoto, proporcionando melhor atendimento da nossa população sem aumento dos custos e valores praticados atualmente. Considerando, claro, que os projetos atuais sejam concluídos e/ou façam parte do compromisso de quem assumir a Corsan”, avaliou a prefeita.
Quem possui opinião semelhante é o prefeito de Parobé, Diego Picucha. “Esperamos que a privatização da Corsan seja uma medida positiva para a comunidade, visto que a estatal não está tendo a capacidade de suprir com as necessidades constantes de investimentos necessários para atender a demanda da comunidade”, avaliou o prefeito.
A ONG Araçá Piranga entende que a privatização é um tema estritamente político-administrativo e não tem direta associação com as causas relacionadas a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável.
Ex-presidente da Corsan, Tarcísio Zimmermann, avalia que a privatização atenderá interesses da iniciativa privada e a crise no RS se manterá
Com experiência de ter exercido o cargo de diretor-presidente da Corsan entre 2013 e 2014, no governo de Tarso Genro, o ex-prefeito de Novo Hamburgo e ex-deputado estadual e federal, Tarcísio Zimmermann, foi taxativo em sua avaliação sobre a privatização da Corsan. “Sabemos é que essa área do saneamento possui muito interesse para a iniciativa privada, pois isso é um monopólio natural. Quer dizer, a companhia que estiver explorando a água e o esgoto em uma determinada cidade é uma só. É um monopólio natural e diferentes de outras áreas, ela não tem muita possibilidade de fuga dos usuários. Se tem esgoto na tua casa, tu precisa comprar isso de alguém. Existe uma pressão privatista muito forte. E, se tu pega um governador medíocre como este no Estado, ele obviamente, vai passar a Corsan nos ‘cobre’. E o mesmo ocorrerá com o Banrisul se continuarmos com essa linha de governo no RS. O problema todo é que depois de vender tudo, não restará mais nada. E a crise financeira do RS continuará. A única alternativa para a saída da crise é o crescimento econômico. E isso, infelizmente, não está no horizonte do Brasil. Vão continuar vendendo e fatiando tudo e, no final, vamos permanecer em crise, e sem nenhum instrumento para fazer políticas sociais”, resumiu Tarcísio.
Presidente do Comitesinos pondera
O colegiado do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos) ainda não se reuniu para discutir o assunto da privatização da Corsan. Mas, consultado, o presidente da entidade, Anderson Etter, expressou a sua opinião pessoal sobre o assunto. “Entendo que se trata de um equívoco bastante claro essa decisão referente a privatização da Corsan. E isso está associado a inúmeros exemplos, de diversos países, em que a opção pela privatização do serviço de saneamento se mostrou frustrada, e se demonstrou ser um grande fracasso. Observamos nesses países a diminuição da qualidade do serviço prestado e a diminuição dos serviços de ampliação de seus sistemas”, resumiu.