Sem cuidados, novas variantes da Covid-19 devem surgir e podem atrapalhar vacinação, afirma virologista

Região – Fernando Spilki é professor do Mestrado de Virologia e coordenador nos cursos de Medicina Veterinária e Ciências Biológicas da Universidade Feevale. Possui graduação em Medicina Veterinária e mestrado em Ciências Veterinárias pela UFRGS, na área de Virologia Animal (2004), e doutorado em Genética e Biologia Molecular, área de microbiologia, pela Universidade Estadual de Campinas. É coordenador da Rede Corona-Ômica, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Em entrevista ao Grupo Repercussão, explica sobre as variantes da Covid-19, como se desenvolvem, quais os riscos e os cuidados que as pessoas devem manter neste período em que se observa o colapso da saúde e o aumento de casos e óbitos no país. Confira, abaixo, a entrevista completa:

“Temos uma variante que se espalha mais e não se faz controle nenhum, o resultado são mais casos”

Professor e virologista Fernando Spilki – Foto: Divulgação/Universidade Feevale

Jornal Repercussão: Como se formam novas variantes de um vírus?
Fernando Spilki: A variante se dá pelo acúmulo de mutações que vão ocorrendo no genoma. Quando uma mutação dá alguma vantagem para o vírus, por exemplo, maior transmissibilidade, ela acaba acontecendo cada vez mais, a mutação acaba sendo cada vez mais presente, vai se fixando. A partir daí, temos a formação de uma nova variante. A mutação é um processo que se dá ao acaso, é um processo acidental. Todo o processo que se dá ao acaso precisa de um número mínimo de eventos para que aconteça, ou seja, se você tiver dez pessoas infectadas com um vírus numa cidade, você provavelmente não vai ter a formação de variantes, porque você vai ter os indivíduos quarentenados, as pessoas vão tomar cuidado, e por aí vai. Agora se você tem mil, dez mil pessoas infectadas em uma região, você aumenta muito a possibilidade não só da transmissão, de ter aumento no número de casos, como você aumenta as chances acidentais de ocorrer mutações, que ocorrem durante o processo de multiplicação do vírus. É a mesma coisa que você ter dez aviões voando ao mesmo tempo no céu: a chance de um acidente é muito pequena. Agora, se você tem mil aviões voando em cima de um mesmo aeroporto, a chance de acidente fica muito alta. Se você não controla muitos casos, a chance de aparecer variantes é muito maior.

JR: O que é a mutação E484-K e qual seu efeito nas variantes identificadas?
FS: Quando falamos em E484-K, falamos de uma mutação específica na proteína Spike, na posição 484, onde temos a troca de um aminoácido. Essa mutação está presente em mais de uma variante, na verdade, em diversas variantes novas. No Brasil, variantes que circulam com essa mutação são a P.1, de Manaus, a P.2, do Rio de Janeiro, e a variante britânica B.1.1.7. Essa mutação, assim como outras, estão presentes em muitas dessas variantes novas, e estão sendo associadas, ao longo do tempo, com a maior transmissibilidade. Algumas variantes, através do conjunto dessas mutações, têm sido associadas à maior gravidade dos casos. Ainda temos mais uma variante em circulação no país com a mutação E484-K, que é a N.9. Então temos diversas variantes circulando que podem ter maior transmissibilidade, e é isso que estamos observando. Se não são tomadas medidas de controle adequadas, eleva muito o número de casos, que é o que tem acontecido nessa terceira onda que estamos vivendo. O que sabemos sobre as diversas variantes com as mutações como a E484-K é que, por uma série de motivos que fazem com que esse vírus replique em cargas mais altas do que linhagens anteriores que conhecíamos, e que provavelmente o indivíduo contaminado acaba excretando o vírus por mais tempo, isso acaba resultando em maior transmissibilidade. Na prática, isso quer dizer que se você adotar medidas realmente suficientes e eficazes de controle da disseminação, o vírus não vai se disseminar, ou vai muito menos. Se você tem uma variante mais transmissível e você não toma medidas eficazes para evitar a disseminação, enquanto você tinha um número X de casos, agora você vai ter ainda mais. Até agora, não se tomaram medidas que realmente restrinjam a disseminação do vírus. Mesmo agora, com protocolos mais rígidos, eles não foram cumpridos adequadamente, a gente não teve praticamente na região em nenhum momento dessa terceira onda um distanciamento social superior a 30%, o que é muito próximo da normalidade. Temos uma variante que se espalha mais e não se faz controle nenhum, o resultado são mais casos.

Uma das coisas que podem acontecer é que a proteção dada pela vacina pode se perder, se continuarmos vacinando lento e deixando o vírus se propagar.

JR: Como as novas variantes podem afetar as vacinas?
FS: A vacinação lenta é perigosa, porque contribui no contexto maior para que ocorra a seleção dessas variantes. Precisaríamos de uma intensificação muito grande da vacinação. Com a vacinação lenta, precisaríamos trabalhar com distanciamento social para evitar a disseminação, o que não está ocorrendo mesmo com decretos de bandeira preta. Temos a questão dos transportes públicos, temos a questão de que uma boa parte da população não toma medidas para evitar maiores problemas. Dessa forma, é muito difícil que a gente vá conseguir controlar algo. Vacinação lenta, sem respeito aos protocolos de distanciamento, que muitas vezes não são eficazes por si só, com muitas flexibilizações, as variantes não param de evoluir. A tendência é que, com o passar do tempo, uma das coisas que podem acontecer, se não tivermos cuidado, é que a própria proteção que é dada pela vacina – que hoje protege mesmo, até o momento de todas as variantes – pode se perder lá na frente, se continuarmos vacinando lento, deixando o vírus se propagar da maneira que ele quer, porque isso aumenta a chance de mutações e da formação de novos genomas. Só que esses novos genomas estão se formando em cima de variantes, então pode chegar o momento que esses vírus consigam de fato escapar, mesmo com a proteção vacinal, o que seria muito grave. Se esse processo não é estancado, não é parado, teremos problemas no futuro.