Foss enfrenta processo de improbidade administrativa por venda irregular de terrenos da Prefeitura de Araricá

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Araricá – A venda em série de imóveis de propriedade do município de Araricá, entre 2017 e 2018, coloca o prefeito, Flávio Foss (União Brasil), no epicentro do que pode configurar um escândalo de gestão pública.

Através de um procedimento instaurado pelo então promotor público de Sapiranga, Michael Schneider Flach, foi aberto um inquérito civil com o objetivo de apurar possível ato de improbidade administrativa. Denúncia levada ao conhecimento do Ministério Público de Sapiranga evidenciou irregularidades como a venda de imóveis da Prefeitura de Araricá através de contratos particulares, de forma direcionada, por valor abaixo do mercado e sem procedimento de desafetação.

O processo possui cerca de sete volumes, distribuídos em mais de 2.600 páginas e traz, em seu conteúdo, documentos dos procedimentos de compra e venda, de mensalidades pagas pelas empresas que adquiriram os imóveis e uma série de levantamentos que embasam a tese de irregularidades no transcorrer dos procedimentos liderados e assinados pelo prefeito Flávio Foss.

Como forma de criar instrumentos para futura reparação de danos ao erário público, o Ministério Público obteve sinalização positiva do Tribunal de Justiça/TJ-RS, na indisponibilidade de todos os bens pertencentes aos empresários que participaram e compraram os imóveis fora do rito legal, além, é claro, os bens do próprio prefeito Flávio Foss. Essa manobra busca garantir o ressarcimento do prejuízo ao erário.

Direitos Políticos em jogo

Entre os objetivos do Ministério Público com a Ação Civil Pública (ACP), está a reparação dos danos causados à Prefeitura de Araricá e, ainda, que os envolvidos paguem dano moral coletivo e façam o ressarcimento da diferença entre o valor de mercado do bem adquirido fora do regramento jurídico e o valor efetivamente pago. O Tribunal de Justiça (TJ-RS) é o órgão julgador do caso, através da Vara Estadual de Improbidade Administrativa e a juíza do caso é Cristina Lohmann.

Na Ação Civil Pública, o Ministério Público ainda busca comprovar os atos de improbidade administrativa que, futuramente, podem gerar a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.

A série de documentos, aos quais o Grupo Repercussão teve acesso, revelam a indisponibilidade dos bens do prefeito Flávio Foss até o valor máximo de R$ 650.000,00 e de outros quatro demandados no procedimento e que totalizam outros R$ 670.000,00.

Para efetuar a venda dos imóveis, a Prefeitura de Araricá formou uma Comissão de Avaliação interna. Porém, a investigação do ex-promotor público de Sapiranga evidenciou outras irregularidades.

O Grupo Repercussão acionou a procuradoria Geral de Araricá. Foram quatro tentativas, mas até o fechamento desta edição, nenhum posicionamento foi direcionado à reportagem. O espaço segue aberto ao contraditório.

Palavra de quem moveu a ação contra o prefeito

“Temos expediente e uma Ação Civil Pública de 2023, inclusive, no sentido para que essa situação fosse regularizada e não se repetisse mais. Determinamos, ainda, indenização e restituição de valores, pois conseguimos estimar a diferença de valores em relação ao preço praticado ao preço de mercado. As investigações apontaram nesse sentido, vamos ver se a ação judicial confirma agora”, promotor Michael Schneider Flach, autor da ação quando atuava em Sapiranga.

Comissão sem capacidade

O promotor, Michael Schneider Flach, que liderou todo o inquérito civil foi categórico e usou as seguintes expressões para definir a Comissão de Avaliação de Imóveis formada pela Prefeitura de Araricá. “Não são necessários esforços para chegar à conclusão de que nenhum dos integrantes da Comissão de Avaliação possui capacidade técnica para avaliar qualquer imóvel, não havendo nos autos ou nos procedimentos licitatórios qualquer habilitação ou outro documento que comprove serem eles capacitados para tanto. Nos termos da conclusão da avaliação técnica produzida na investigação, as avaliações deste condão devem ser feitas por engenheiros civis, arquitetos e urbanistas ou corretores de imóveis registrados no Cadastro Nacional de Avaliadores Imobiliários (CNAI) ou, ainda, as avaliações poderiam ter sido feitas do ponto de vista tributário, mas não por servidores com cargos totalmente desvinculados, em especial telefonista e desenhista. Trata-se de mais uma irregularidade”, cita Michael.

Câmara recebe pedido de impeachment

Diante da Ação Civil Pública, liderada pelo Ministério Público, na quarta-feira (27/3), um cidadão de Araricá ingressou com um requerimento para que o colegiado analise o afastamento/impeachment do prefeito de Araricá, Flávio Foss (União Brasil). O documento está embasado na Ação Civil Pública (ACP) n.º 5003549-60.2023.8.21.0132, proposta pelo promotor Michael Schneider Flach, que atuava no Ministério Público de Sapiranga até o final de 2023.

O requerimento protocolado na Câmara de Vereadores e endereçado à presidente da Casa, Mari Dapper (Partido Liberal), cita que o prefeito cometeu diversas infrações político-administrativas, crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa. Agora, o processo de impeachment terá início e as primeiras reuniões já foram agendadas pelos membros da comissão processante. A composição ficou da seguinte forma: Presidente: Jordana de Lima (PL); Relator: Max da Silva (Republicanos); Membro: Sérgio Arruda (União Brasil).

O procedimento de cassação movido pela Câmara de Vereadores é um processo administrativo que ocorre, paralelamente, ao expediente do TJ/RS.

Integrantes comentam

“A denúncia entrou na Câmara na quarta-feira. Na quinta, tentamos notificar o prefeito, mas sem êxito e não conseguimos achá-lo. Fomos duas vezes na prefeitura, às 8 e às 10 horas. Na segunda-feira, localizamos ele na Prefeitura e ele nos recebeu. Assinou a notificação e demos uma cópia dessa denúncia que tivemos. E, por enquanto, fizemos isso. Apenas a notificação. Agora, ele tem prazo de 10 dias para mandar a sua defesa por escrito para a Comissão, se ele quiser arrolar testemunha, ele pode fazer isso também”, destaca Jordana de Lima (PL), presidente da Comissão Processante.

“É um processo longo. Na história da nossa cidade, em 28 anos, nunca tinha acontecido uma situação igual a essa. Montamos a Comissão Processante e vamos julgar o caso. A tendência é que, na próxima semana, teremos novidades. Somente na segunda-feira (1º) o prefeito foi notificado. Agora, ele possui 10 dias para se manifestar”, declara Sérgio Arruda (União Brasil), membro da Comissão Processante.

“É importante seguir o rito de forma responsável, com a observância do direito à defesa. Vamos aguardar os próximos passos da Comissão e avaliar todas as circunstâncias. É preciso respeitar o processo na íntegra”, podera o relator da Comissão Processante, Max da Silva (Republicanos).

Advogado contextualiza

O advogado sapiranguense do escritório Scholles da Costa Advocacia Corporativa, Bruno Costa, comenta sobre o processo de impeachment. “O processo de cassação decorrente de improbidade administrativa de um prefeito parte de uma denúncia e essa denúncia pode surgir de qualquer pessoa do povo, desde que eleitores aptos do próprio município e em dia com suas obrigações perante a justiça eleitoral”, cita o advogado.

Após essa etapa, o advogado salienta que apresentada a denúncia ao presidente da Câmara de Vereadores, e com a concordância dos seus integrantes em votação por maioria qualificada, cabe, então, ao presidente nomear uma comissão especial processante que avaliará as provas e confirmará ou não o conteúdo da denúncia. “Importante frisar que é direito do acusado já nesta esfera à ampla defesa e ao contraditório. Em entendendo a comissão processante pela procedência da acusação, submeterá a mesma à mesa diretora, para que o presidente da Câmara de Vereadores convoque uma sessão de julgamento. Na sessão de julgamento, renova-se o direito do acusado à ampla defesa e o contraditório. Para que haja a cassação e o afastamento definitivo do cargo, isso deve ser declarado pelo voto nominal de dois terços dos membros da Câmara. Em caso de absolvição, o processo será imediatamente arquivado”, sintetiza o advogado.

Advogado Vinícius Bondan Comenta

O advogado especialista em direito público, Vinícius Bondan, avalia o procedimento contra o prefeito Flávio Foss e as suas consequências. “O processo por infração político-administrativa é movido em face do Prefeito. Ele não iguala ao processo de cassação eleitoral, em que a chapa é cassada conjuntamente. No futuro, caso a Câmara de Vereadores decida pela cassação do mandato do prefeito, o vice-prefeito assume. A eleição para o preenchimento dos cargos se dá apenas na hipótese de vacância simultânea dos cargos de prefeito e vice-prefeito”, pondera.

O advogado ainda analisa outras particularidades. “O caso de improbidade administrativa do prefeito é em razão da prefeitura ter alienado alguns imóveis por valores bastante abaixo dos valores de mercado. Então, assim, de fato são relevantes. Esse processo de cassação por infração político-administrativa, que é regido pelo Decreto Lei 201 de 1967, ele tem um julgamento político e é efetuado pela Câmara de Vereadores, de modo que ele não é passível de revisão quanto ao mérito pelo Poder Judiciário. Serão dois momentos: um no recebimento da denúncia, e o segundo, depois da instrução do processo, que é o julgamento do mérito”, conclui Bondan.

Veja, abaixo, quais são as concorrências alvo de investigação e as projeções de dano gerado ao patrimônio público de Araricá:

Concorrência 2-2017
Avaliação da prefeitura: R$ 110.000,00
Valor de compra: R$ 112.000,00 (60x)
Valor de mercado: R$ 540.000,00
Prejuízo: R$ 428.000,00

Concorrência 3-2017
Avaliação da prefeitura: R$ 90.000,00
Valor de compra: R$ 90.100,00 (60x)
Valor de mercado: R$ 210.000,00 (pode chegar entre R$ 310 mil a
R$ 375 mil, pois há controvérsias)
Prejuízo: R$ 119.900,00

Concorrência 4-2017
Avaliação da prefeitura: R$ 90.000,00
Valor de compra: R$ 90.500,00 (60x)
Valor de mercado: R$ 200.000,00
Prejuízo: R$ 109.500,00

Concorrência 6-2017
Avaliação da prefeitura: não estimado
Valor de compra: R$ 50.000,00
Valor de mercado: não estimado
Prejuízo: não estimado

Concorrência 9-2017
Avaliação da prefeitura: não estimado
Valor de compra: R$ 50.000,00
Valor de mercado: não estimado
Prejuízo: não estimado

Fonte: Ministério Público RS/Câmara de Vereadores de Araricá