Comentário: Governar com o parlamento, por Gaudêncio Torquato

Por Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação /Twitter @gaudtorquato

O objetivo da política, dentro do preceito aristotélico, é a busca incessante do bem comum. E para alcançar esse ideal, nos termos que ensina Maquiavel, a política carece que seus participantes lutem para conquistar o poder. Só assim terão condições de suprir as demandas e expectativas sociais. Sob essa lição, os representantes políticos agem no sentido de prover meios, instrumentos e condições necessárias para realizar promessas feitas junto às bases que os elegeram, por sufrágio universal, para compor a moldura representativa.

O orçamento impositivo, objeto da PEC aprovada terça-feira por votação maciça na Câmara, é um desses instrumentos. Difere do orçamento autorizativo, porquanto este permite ao Executivo dispor livremente sobre o grau de execução das despesas constantes do orçamento, consistindo no contingenciamento das dotações ou retenção de recursos do caixa do Tesouro. (Não há interpretação conclusiva sobre o texto aprovado; uma emenda teria mudado a “execução obrigatória das disposições orçamentárias”).

A aprovação do orçamento impositivo se faz necessária sob a perspectiva de conferir ao Poder Legislativo as condições para que possa agir como ente governativo. Nesse ponto, convém lembrar que governar não é um exercício que compete apenas ao Poder Executivo. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário integram o sistema governativo.

Executivo e Legislativo vivenciam um estado de tensão, provocado pela disposição do presidente em não aceitar o que chama de “jogo de recompensas”, o toma lá dá cá, prática consolidada do nosso presidencialismo de coalizão. Erra Bolsonaro quando atribui essa situação à velha política. A “nova política” que ele defende com expressão dura não é nova e não se inspira pelo ideal aristotélico do bem comum.

O então deputado Bolsonaro passou 27 anos na Câmara Federal, integrava o chamado “baixo clero” e mistifica quando se apresenta como ícone da renovação política. Não se muda uma cultura por decreto ou vontade unilateral do presidente. O jogo de poder no Brasil, jogado desde os tempos coloniais, abarca o costume de inserção de quadros de partidos políticos na malha administrativa.

Por isso mesmo, Sua Excelência, o presidente Jair, precisa se convencer que não fará uma administração eficiente sem o engajamento da representação parlamentar. Como um veterano como ele pode pensar diferente? Não se trata de cooptar deputados e senadores com “mesadas”, como se viu na época do mensalão. Trata-se de dar vazão ao sistema governativo, do qual faz parte o Legislativo. São os membros da representação parlamentar que dão apoio e sustentação aos governos.

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