A história dos Mucker, por Felipe Kuhn Braun

Por Felipe Kuhn Braun, jornalista, vereador, pesquisador escritor 

Sapiranga – Na segunda metade do século XIX os habitantes das colônias alemãs vivenciaram um conflito que ainda hoje é lembrado pelas pessoas de mais idade e que foi abordado nos estudos de diversos autores. Nas antigas terras de Kraemer e Schmitt, lá nas proximidades do alto do morro Ferrabraz, na localidade de Sapiranga, um grupo liderado por uma mulher conhecida como Jacobina, tentou criar um movimento religioso numa região onde a população carecia de assistência médica e religiosa e onde havia famílias com baixa formação cultural e poucas condições econômicas.

Jacobina havia nascido em Hamburgerberg, era neta do imigrante Johann Liborius Mentz, que era natural de Tambach na Thüringen e chegou a São Leopoldo em 06 de novembro de 1824, com a esposa e 4 filhos. Mentz havia sido carpinteiro e lavrador em Hamburger Berg, era proprietário do lote número um da localidade, faleceu algumas semanas após a chegada no Brasil. Seu filho mais velho, de nome André, casou com Maria Elisabeth Müller, cujo pai fora expulso da Saxônia, pois tentou fundar uma nova religião. O casal Mentz, participava ativamente na igreja, tinha sete filhos, a mais nova deles, Jacobina, havia casado com João Jorge Maurer, de São José do Hortêncio. O casal se mudou para Sapiranga, ele era curandeiro, enquanto curava os doentes com plantas e ervas medicinais, Jacobina oferecia “cura para a alma” dos pacientes.

Jacobina deixou as famílias da região perplexas. Analfabeta, tinha amplo conhecimento sobre a bíblia, tentava ler e interpretá-la aos pacientes de João Jorge. Também manifestava poderes místicos, entrava em estado de letargia e no seu retorno ao estado normal, descrevia aos pacientes sobre visões celestiais que supostamente havia tido. Primeiramente muitas famílias passaram a acreditar fielmente em suas palavras e começaram a segui-lá. Jacobina passou então, proibiu seus seguidores de irem ao culto ou a missa. Numerosas famílias da região criticaram Jacobina e seus seguidores com fervor, ao lado do clero, pavoroso com a perda de seus fiéis, que chegava a quase mil pessoas. Padres e pastores se uniram as famílias contrárias e se agilizaram em desqualificar o movimento.

Cada ataque, mesmo que de início apenas verbalmente, parecia fortalecer ainda mais Jacobina, que se preparava para construir um grande templo, fazia grandes rodas de oração e abertamente passou a se apresentar como um novo Cristo. Os fiéis de Jacobina construíram uma edificação ao lado de sua casa, construção que serviu como templo e enfermaria, na qual realizavam suas cerimônias e hospedavam os doentes. Doze pessoas foram escolhidas para representar os “doze apóstolos”, em vários momentos a líder religiosa dizia ter visões e afirmava ter a salvação.

Desde o início, eles foram rotulados pelos seus “algozes” como Mucker. Fanfarrões, falsos profetas, todas as alcunhas pejorativas possíveis foram escritas ou faladas sobre eles. Em 1873 o Pastor Boeber, pároco de Sapiranga, inconformado com o movimento Mucker, liderou um abaixo-assinado que foi encaminhado ao Delegado de Polícia de São Leopoldo; neste documento os cidadãos mostravam-se incomodados com os ritos de Jacobina e pediam urgentes providências das autoridades para proibir as reuniões religiosas “fora da lei”. O Pastor Boeber e os 44 moradores da região que assinaram o texto acusaram Jacobina de ter nomeado seus irmãos e marido como discípulos, se queixaram que muitos colonos anunciavam que ela era manifestação de Deus; destacaram que os Mucker não pagavam mais as taxas da Igreja e da escola e denunciaram que eles estariam estocando armas e que o movimento estava dividindo as famílias.

Em maio de 1873 o Presidente da Província determinou que o Chefe de Polícia fosse em pessoa ver o que estava acontecendo. Com mandato de busca e apreensão, a polícia vistoriou a casa dos Maurer. João Jorge e Jacobina foram presos e levados à Capital. Jacobina que estava em estado de letargia, foi conduzida em uma carreta até São Leopoldo, sendo escoltada por oito soldados, numa viagem de nove horas de duração. Em São Leopoldo, foi exposta ao público e insultada. Para despertá-la, os médicos usaram picadas de agulha e de ponta de faca. No entanto, apenas o canto dos fiéis, que tinham lhe acompanhado, conseguiu despertá-la, após 5 horas de tentativas. Jacobina foi internada na Santa Casa de Misericórdia e João Jorge foi colocado numa prisão pública.

Em 13 de junho de 1873, Jacobina e João Jorge foram liberados, sob a promessa de que cessariam seu movimento, dispersando os fiéis. Isso, naturalmente, foi descumprido. Os ânimos foram se acirrando em ambos os lados, até que, no final de 1873 aconteceu a primeira morte. Jacob Kraemer desapareceu no dia 3 de novembro e foi achado morto alguns dias depois. A comunidade denunciou os Mucker pelo assassinato. Em 22 de novembro de 1873 João Lehn levou dois tiros, um atingindo-o no peito perto do braço. A comunidade acusou dois irmãos Sehn (ligados aos Mucker) pelo atentado. Vários seguidores de Jacobina foram presos, 33 foram levados a São Leopoldo e a Porto Alegre, onde foram humilhados, mas foram soltos por ordem do Presidente da Província, por falta de provas. O chefe de polícia em Porto Alegre foi demitido por causa dessa situação e os delegados da região, Lúcio Schreiner e Christian Spindler se demitiram.

Dia 10 de dezembro de 1873, João Jorge Maurer e mais dois outros Mucker foram ao Rio de Janeiro queixar-se ao próprio Imperador D. Pedro II, entregando ao monarca uma petição assinada por 32 pessoas, queixando-se de perseguição da polícia, ofensas morais e agressões físicas e patrimoniais de outros colonos. Os Mucker, quando regressaram, passaram a se armar e se preparar para uma forte resistência armada à polícia e às hostilidades dos vizinhos. Em 27 de dezembro de 1873 o representante imperial solicitou explicações às autoridades da Província sobre as queixas que os colonos Mucker fizeram em petição.

Em 28 de janeiro de 1874 o delegado Lúcio Schreiner respondeu às autoridades imperiais desmentindo as queixas dos Mucker e acusando-os de agitadores. Em 30 de abril foi assassinado em São Leopoldo o jovem Jorge Haubert, que havia desertado do movimento Mucker. Os seguidores de Jacobina logo foram responsabilizados pelo crime, levantando contra si a opinião pública. Em 20 de maio, Jacobina escreveu ao seu primo Mathias Schröder, dando um ultimato aos que estavam foram do movimento. A líder dos Mucker nomeou Lúcio Schreiner como o anti-Cristo. Em 24 de maio foi realizada uma grande celebração no Morro Ferrabrás, Jacobina teria anunciado o fim do mundo e decretado o extermínio de 16 famílias contrárias aos Mucker.

Ameaçados, vários colonos Mucker buscam abrigo na propriedade dos Maurer. Dali adiante os seguidores de Jacobina revidaram as ameaças e várias casas foram incendiadas pelas colônias, não se sabe até hoje, se todos esses incêndios poderiam ser atribuídos exclusivamente aos Mucker. A região de colonização alemã estava em conflito.

Um dos piores casos foi o de Martinho Cassel, que inicialmente era ligado aos Mucker. A família de Martinho Cassel, após ter deixado o movimento Mucker, passou a ser intimidada a ele retornar sob pena de forte represália. Diante da recusa, passaram a ser ameaçados pelos Mucker e, na noite de 14 de junho de 1874, com a família já recolhida ao leito, ouviram-se barulhos de cavalos na proximidade da casa, que ficava na Fazenda Fialho. No dia seguinte Martinho, aconselhado pelo vendeiro Bohrer, foi pedir ajuda ao inspetor de Quarteirao. Este acedeu à solicitação, fazendo um ofício que Matinho deviria entregar às autoridades em São Leopoldo. Mesmo sendo meio da tarde, Martinho acompanhado de seu cunhado Kich resolveu seguir para a cidade. Ao meio do caminho, junto à casa do cunhado, foi convencido a deixar a entrega do ofício para manha do dia seguinte. Durante esta noite, com a família já recolhida ao leito, os seguidores de Jacobina pregaram portas e janelas da residência da família de Martinho e atearam fogo. Morreram a esposa Ana Maria Becker, a sua enteada Luíse Lied (19a.), os filhos de seu primeiro casamento Regina (8a.) e Pedro Arnoldo Cassel (6a.), enteado sobrevivente, que fora ferido a bala, logrou fugir. Em 25 de junho de 1874 também foi queimada a casa e comércio de Jacob Schmitt com ele dentro. Logo depois foi queimada a casa de Felipe Kley.

Em 23 de junho de 1874 foi expedido mandato de prisão a própria Jacobina e a João Jorge Maurer?. Dia 24 de junho o chefe de polícia prendeu o cunhado de Jacobina, o Pastor João Klein?. No dia seguinte, 25 de junho, 14 casas de colonos adversários dos Muckers foram incendiadas em Sapiranga e Campo Bom. Nelas, 10 pessoas são assassinadas, entre elas, crianças, idosos e mulheres, crimes que puseram toda a colônia em revolta.

Neste período, devido aos conflitos por toda a região, o conhecido comerciante Daniel Collin, da localidade de São José do Hortêncio, pediu ao intendente de São Leopoldo, proteção com soldados e armas, e as autoridades leopoldenses não tendo como auxiliar, concederam licença para os colonos providenciarem armamentos. Muitas pessoas ficaram alarmadas por causa dos Muckers na região de São Leopoldo. Havia notícias sobre as pregações da profetisa que se dizia o Cristo, informações sobre guerras e violências, gerando confusão nas colônias. Muitas pessoas fugiram de suas casas e se esconderam nas matas. Em 26 de junho os colonos queimaram as casas de três seguidores dos Mucker, Studt, Noë e Graebin. Situação que gerou mais consternação dos colonos, temendo que mais Mucker, que haviam fugido, de noite saíssem dos esconderijos para vingar-se a ferro e fogo. Em 27 de junho mais casas de seguidores de Jacobina foram queimadas em Hortêncio e em Linha Nova.

Em 28 de junho, num domingo, os católicos foram advertidos pelos padres nos púlpitos das igrejas para que nestas circunstâncias de confusão nas colônias “não faltassem contra a justiça e a caridade”. Pedindo que dessem preferência a oração e as confissões. Muitos atenderam a essa recomendação, assistindo com mais frequência a missa. Durante o mês de julho foram feitas orações diárias (sempre às 8h) na Igreja de São José de Hortêncio, “para afastar maiores perigos”.

Várias famílias de São José do Hortêncio, preocupadas com as notícias veiculadas pelas colônias, para não ficarem isoladas, se reuniram nas casas comerciais das famílias Schmidt, Collin e Trein e na residência dos padres jesuítas.

Dia 29 de junho, algumas mulheres e filhos dos seguidores dos Mucker na localidade de São José do Hortêncio, foram encontrados escondidos em arbustos, quase sem comida, por dois dias, e ganharam abrigo na casa dos Collin. Os ânimos aos poucos se tornam mais tranquilos, depois que muitos homens receberam armas e munições e a notícia de que uma tropa militar já havia saído de Porto Alegre contra o acampamento dos Mucker em Leonerhof. Dia 30 de junho os padres de São José do Hortêncio receberam famílias para se refugiarem na casa paroquial.

A polícia enviou um efetivo de 50 homens para prender os Maurer e outros Mucker. Estes homens, por falta de conhecimento e despreparo com armas, foram derrotados pelos Mucker que estavam preparados e estavam escondidos nos melhores pontos estratégicos. Os seguidores de Jacobina balearam o General Genuíno Sampaio, “herói” da Guerra do Paraguai, que morreu após ser alvejado por um único tiro.

Em 19 de julho aconteceu o segundo combate contra os Mucker. As forças legais e mais uma coluna de 300 colonos os atacaram. A casa dos Maurer foi incendiada. Entre os Mucker, morreram cerca de 30 pessoas. 52 foram presas, entre eles os cinco filhos de Jacobina, posteriormente entregues à adoção. Neste momento, Jacobina, João Jorge e seus principais colaboradores não foram encontrados entre os mortos e presos.

O exército foi chamado e enviou 500 homens, com 6 canhões. Dia 25 de julho o exército e moradores locais iniciaram o ataque aos Mucker que haviam se refugiado na mata, entre eles, Jacobina e seus seguidores mais próximos. Em 2 de agosto de 1874 acontece o ponto alto da tragédia Mucker com a dizimação violenta dos seguidores mais próximos de Jacobina. Segundo a escritora Janaína Amado: “o exército permaneceu ali e estudou o terreno, destruíram a casa de Jacobina, que fugiu para uma gruta no morro Ferrabrás, onde foi morta com 18 seguidores”.

Naquele momento, cerca de mil pessoas permaneciam próximas de Jacobina, e havia um grupo ainda maior de envolvidos em todo esse conflito… O grupo mais próximo de Jacobina se dividiu em três partes durante os ataques que sofreram do Império: o primeiro núcleo, que esteve mais próximo dela até as últimas horas, foi morto no morro Ferrabrás, o segundo grupo foi preso e julgado meses depois, quase todos foram levados para Porto Alegre. A terceira parte dos seguidores de Jacobina se refugiou em meio a mata ou teve que fugir para outras regiões, a maioria emigrou para o Vale do Taquari”.

Entre as baixas no Morro Ferrabrás, estavam:

Alguns dos mucker absolvidos voltaram para suas antigas casas ou para o que restava delas: Carlos Einsfeldt retornou a São Leopoldo, onde continuou a exercer a profissão de ferreiro, completamente retirado da vida social; Henrique Guilherme Gaelzer, recrutado pela marinha, voltou para Taquara depois de reaver o filho que tivera com a mucker Maria Sehn, e lá continuou a transportar em lanchões cargas até Porto Alegre. Alguns mudaram-se: André e Carlos Luppa para os arredores de Porto Alegre, e João Jorge Klein e família, depois de residirem algum tempo em Novo Hamburgo, para Canoas. Váriosmucker e seus descendentes foram muito perseguidos durante a vida inteira. O grupo de cinco pessoas do qual fazia parte João Daniel Noé foi obrigado a passar sete anos escondido nos matos, para fugir ao cumprimento da pena e à vingança da população. Miguel Noé, filho de João Daniel, relatou:

(…) e se retiraram para os matos entre o rio Caí e Nova Petrópolis (…) Lá nos matos eles podiam caçar o suficiente. De fora não se via nada. Eles cozinhavam de noite para que não se visse a fumaça. Todos os meses, dois ou três visitavam suas famílias, para aconselhá-las na roça e pôr tudo em ordem. Pois em cada casa moravam duas famílias, para que tudo ficasse em ordem. Seus piores dias eram os domingos, quando outros caçadores se embrenhavam nos matos. Aí eles desfaziam seu acampamento e, para que não fosse achado, o tapavam com folhas. E cada um tomava um rumo diferente e caçava. Os cães fugiam deles por causa do seu cheiro de mato.

Os outros mucker, de nível socioeconômico e cultural mais baixo, tiveram que se fixar no campo, para dedicar-se à agricultura. Parte destes foi morar na Linha Pirajá, colônia de Nova Petrópolis, enquanto outros se transferiram para a Terra dos Bastos, distante de seis léguas de Lajeado. Entre os moradores de Linha Pirajá, estavam João Daniel Noé, seu filho Miguel Noé e seus genros Henrique Weber, Guilherme Gräbin (filho de Jacó Gräbin), Guilherme Bösch e Guilherme Maurer; entre os da Terra dos Bastos, Jacó Gräbin e seus dois outros filhos, Jacó e Adão, Filipe Noé e Luiz Künzel (respectivamente filho e genro de João Daniel Noé).

Os mucker das duas picadas costumavam visitar-se constantemente: além de parentes entre si, eram marginalizados pela população local, vivendo retirados. Aos poucos, começou a se solidificar a impressão de que tentavam se reorganizar, para reviver a epopéia da época de Jacobina. Criou-se na Linha Pirajá um ambiente de tensão quase insuportável entre a população; previam-se acontecimentos trágicos. No final de 1897, (quatorze anos depois da sentença de absolvição do último júri), foram sucessivamente mortos em emboscadas os ex-mucker Henrique Weber, Guilherme Gräbin e Jacob Müller. A notícia das mortes repercutiu intensamente na Terra dos Bastos, aumentando ainda mais a animosidade em relação aos ex-mucker que ali residiam. A 26 de dezembro de 1897, foi encontrada morta em sua casa a mulher do colono Albino Schroeder, com as veias cortadas e o sangue recolhido em vasilhas. Correu o boato de que os mucker eram os assassinos. O subdelegado do distrito abriu inquérito e interrogou os acusados, mas não encontrou provas suficientes para detenção; soltos, eles voltaram para suas casas. Poucos dias depois, a 3 de janeiro de 1898, (24 dias após o final da revolta), um grupo de colonos (O Pe. Ambrósio Schupp refere-se a duzentos) reuniu-se e atacou os que julgavam serem os autores do crime, linchando-os e trucidando-os. Eram eles: Jacó Gräbin e seus filhos Jacó e Adão, Filipe Noé e Luiz Künzel. Era o trágico fim dos últimos mucker.

  1. Cassel e Fuchs
  2. Maurer e Noe (FTM)
  3. Carta do Maurer
  4. Descendentes de Jacobina

O que aconteceu com muitos

No interior da localidade de Linha Nova, em um local de difícil acesso, há uma casa que resiste ao tempo. Construída em estilo enxaimel, há mais de 150 anos, é uma residência que abrigou várias gerações de uma família cuja história ainda hoje é envolta em mistérios e conflitos. Ali moraram os Fuchs, uma família originária de Niederlinxweiler, na pequena província de Saarland, ao sudoeste da Alemanha. Dos Fuchs, cujas raízes remontam ao século XVII, mais precisamente ao ano de 1670, com Hans Wilhelm Fuchs, pouco se sabe. Porém, seus descendentes brasileiros estiveram envolvidos em uma trama de crenças, parte da família foi morta e parte deles tiveram que se radicar em outra região e esconder de si mesmos, o seu próprio passado.

Os Fuchs foram fiéis adeptos de Jacobina Maurer, líder da seita Mucker. O patriarca deles, que residiu na antiga casa da Linha Nova, se chamava Georg Jacob Fuchs, é um dos personagens emblemáticos da família. Ele emigrou para o Brasil com o pai e irmãos. Ainda na Alemanha, casou com Maria Noë. Os Fuchs e os Noë já se conheciam no velho Mundo. Descendentes de ambas as famílias emigraram para o mesmo lugar no sul do Brasil, se estabeleceram posteriormente na nova colônia de Sapiranga, montaram uma teia de contatos que os aproximou ainda mais durante a participação na seita Mucker e anos mais tarde, se radicaram na mesma região, depois do desfecho do conflito Mucker.

Georg Jacob Fuchs foi um ferrenho adepto de Jacobina, juntamente com quase todos seus 9 filhos. Os familiares mais idosos, descendentes de uma de suas filhas, Elisabeth, que era casada com um importante cervejeiro e comerciante da localidade; contam que Fuchs chegou a tentar envenenar seu genro, pois ele se negava a apoiar o movimento capitaneado por Jacobina. Faleceu em 1873, no decorrer do conflito que selaria o destino de sua família, resultaria na morte de parte de seus descendentes e expulsão dos demais da região.

O pastor Hunsche, no seu livro dos mortos da localidade de Linha Nova, descreve com sua pena e seu tinteiro, um necrólogo sobre Fuchs: GEORG JACOB FUCHS, nascido em 25 de maio de 1792, em Niederlinxweiler na Província Renana, Prússia, adentrou o estado do sagrado matrimônio no ano de 1812, com Maria Noé e viveu no mesmo por 62 anos, gerou 8 filhos, dos quais 6 ainda vivem. Emigrou em 1846 para o Brasil e fixou sua residência aqui na Picada, onde ele, depois de permanecer algumas semanas acamado, faleceu de fraqueza senil em 18 de setembro de 1873, de tarde, às 4 horas, na idade de 81 anos, 3 meses e 23 dias, e foi enterrado no cemitério daqui, em 20 de setembro dito anno. Além da viúva, ele deixa 6 filhos, 55 netos e 21 bisnetos. (Em sua existência, ele nunca esteve doente. Ao seu enterro compareceu muita gente, porém diversos de seus filhos e parentes não participaram, pois são adeptos do Maurer que a isso proíbe rigorosamente seus seguidores).

Dos filhos adeptos, três morreriam no confronto, juntamente com netos, uma nora e uma sobrinha casada com um Maurer. Ali, no confronto, morreriam também, Jacobina e seu irmão Franz Heinrich Mentz, seu marido João Jorge Maurer e seus cunhados. A família não poderia mais permanecer ali, logo depois do falecimento de seus filhos. O Pastor Hunsche registra a encomendação de um de seus netos, órfão cujos pais morreram no morro Ferrabrás: em 21 de dezembro, foi enterrado no cemitério daqui, um menino de aproximadamente 1 ½ anos.O mesmo era filho legítimo de Johann Georg Fuchs e de sua mulher Maria Sophia, nascida Fuchs. Os pais, com seus filhos, eram seguidores do residente em Sapiranga Johann Georg Maurer. Lá, na defesa de seus líderes, os pais encontraram a morte. Vários de seus filhos eles deixaram para trás com parentes, também seguidores de Maurer. A estes pertence também a aqui referida criança. Ela faleceu em 20 de dezembro de 1874, na casa da viúva Arend. A criança fora, entrementes, batizada por um eclesiástico, presumivelmente os próprios pais a batizaram e lhe dado o nome de LEOPOLD. Da participação no enterro, os seguidores de Maurer se mantiveram distantes, embora  tivessem estreito parentesco com a criança, porque eles não “podem” adentrar o nosso cemitério.

Apesar da dura repressão e das perdas familiares, os Fuchs, como podemos perceber a partir dos escritos do Pastor Hunsche, mantiveram sua crença e ficaram afastados da igreja. A matriarca falece quase dez anos depois do desfecho de 1874, mas membros da família se sentem pressionados e decidem emigrar. Mas não seria fácil conseguir terras e emigrar. Parte da família emigrou então para novas colônias no Vale do Taquari. Assim, os Fuchs se estabeleceram na longínqua Picada Travesseiro, interior do atual município de Forquetinha. Ali, do outro lado do rio, se estabeleceram na mata virgem, onde construíram uma nova residência. Anos mais tarde, o patriarca desses Fuchs, se tornaria um pseudo pastor, assim como um de seus filhos.

Não tentaram propriamente criar uma seita, mas viviam juntamente com outros habitantes dessa localidade, um pouco distante da fé protestante. Próximo da sua propriedade, Fuchs construiu um cemitério, onde ele e descendentes foram enterrados.

Texto: Felipe Kuhn Braun

Fotos: Arquivos de pesquisa de Felipe Kuhn Braun