Polícia Civil e promotoria investigam crimes de lesão corporal e tortura em clínica de Araricá

Superlotação de pessoas atendidas foi uma das irregularidades constatadas durante a operação no local (Foto: Ministério Público)

Araricá – Uma ação do Ministério Público (MP) interditou uma clínica de reabilitação para dependentes químicos e que possuía dois estabelecimentos próximos com os nomes de Residencial Mãe de Deus e Clínica Nossa Senhora de Guadalupe, em Araricá. O caso chegou ao MP através de relatório da Secretaria de Assistência Social do município. Mesmo sendo uma clínica particular e sem vínculos de convênios com o Poder Público, o local passava por constantes fiscalizações.

Com denúncias de irregularidades, uma grande operação ocorreu no local na quinta-feira (dia 18). Neste trabalho, que contou com apoio da Brigada Militar, Polícia Civil, Bombeiros, Assistência Social, Vigilância Sanitária e profissionais do MP, foram flagradas situações graves.

O promotor público de Sapiranga, Michael Schneider Flach, conta que a clínica de recuperação tinha liberação para atender 31 pessoas, mas atendia quase 100. Além de dependentes químicos também foram encontrados pacientes idosos e com necessidades especiais.

O caso mais grave, e que passou a ser investigado pela Polícia Civil de Sapiranga, que responde por Araricá, foi de um cadeirante. Ele apresentava múltiplas lesões e foi encaminhado para o hospital de Canoas, onde passou por cirurgia. Há suspeita dos crimes de lesão corporal e tortura.

Até o fechamento da matéria, tentamos contato com a clínica, mas o telefone mantinha-se desligado.

 

Órgãos de segurança e fiscalização

Segundo o MP, os residentes da clínica viviam em condições não favoráveis, com pouca alimentação e suspeita de maus-tratos. “Tínhamos um acompanhamento dessa entidade, como fazemos com todas do tipo, e na virada do mês recebemos um relatório da Secretaria de Assistência Social de Araricá apontando várias irregularidades no local”, revelou o promotor Michael. A partir disso, foi montada uma operação com os órgãos de segurança e fiscalização. “E, para isso, precisávamos da Brigada Militar para nos dar segurança, dos bombeiros para ver a questão do alvará, Assistência Social e Vigilância Sanitária, e pedimos uma equipe técnica do MP composta por assistente social, enfermeira e nossa oficial de diligências; também solicitamos mandados de busca e apreensão que a Polícia Civil cumpriu no dia”.

Pouca alimentação, receitas em branco e superlotação no prédio

Ao entrarem na clínica, servidores do Judiciário e demais integrantes da operação foram surpreendidos. “Havia superlotação, bem acima da capacidade permitida, era quase 100 pessoas e podiam até 31. Não sabemos se o fornecimento de medicamentos ocorria de forma regular, porque nós chegamos e apreendemos várias receitas com data em branco, que mostra que já tem problema, algo que não condiz”, detalha Michael. Na cozinha, era preparado almoço. “Mas a alimentação era muito pouca para tantas pessoas”.

Paciente direto para a cirurgia

A clínica era destinada a dependentes químicos, mas o promotor conta que foram encontrados outros pacientes. “Encontramos idosos e pessoas com necessidades especiais, inclusive, havia uma pessoa amarrada, contida por amarração”, revelou o promotor. Um cadeirante também apresentava lesões e precisou ser encaminhado imediatamente para um hospital de Canoas. “Ele tinha múltiplas lesões e precisou ser internado e submetido a cirurgia. Com essas informações e documentos dessa pessoa, encaminhamos isso para a Polícia Civil porque possivelmente nós temos um crime em relação a essa pessoa. A promotoria criminal e Polícia Civil apuram crime de lesão corporal e até mesmo crime de tortura”, completa o promotor sapiranguense.

FAMÍLIAS CONTATADAS

A advogada e assessora jurídica da Prefeitura de Araricá, Ana Luiza Orsi, confirmou que as fiscalizações eram feitas de três em três meses e, partir do momento que foram detectadas irregularidades, se passou a fazer relatórios e os mesmos foram entregues ao Ministério Público. Após a operação, através do CRAS, todas as famílias foram contatadas para buscar os internos. Alguns foram realocados para outras clínicas e outros optaram por deixar o tratamento, mesmo cientes que poderiam ir a outra clínica.

Dependente fugiu dias antes do local

Um dependente de medicamentos que estava internado conseguiu fugir dias antes da operação. Ao sair da clínica para consulta, ele conseguiu se desvencilhar da equipe e voltou para casa em Canoas. “Eu nunca fui agredido, porque concordava com tudo, mas vi agressões. A comida era pouca e muito ruim. A situação era horrível. Já fui dependente de cocaína, hoje é de medicamentos; fiquei quatro meses lá”, disse ele, projetando sair de Canoas e ir para o interior do Estado.