Liberação de jogos de azar e apostas pode influenciar a lavagem de dinheiro, afirma promotor do caso D9 Trader

Região – A D9 Trader foi um grande esquema criminoso de pirâmide financeira que começou a ser desarticulado em meados de 2017. Cerca de dois anos após ruir, a D9 ainda gera dor de cabeça para as centenas de lesados no esquema e para a justiça, que trabalha arduamente para concluir o caso e poder ressarcir as vítimas.

O esquema consistia em ludibriar as vítimas afirmando que teriam lucros que superavam a média do mercado, através de marketing multinível, resultante de apostas em jogos esportivos. Houve relatos de vítimas ouvidas pela justiça que chegaram a vender carros e até casas par fazer o suposto investimento. Os valores eram transformados em criptomoedas como bitcoins, e as vítimas ficavam impossibilitadas de reaver os valores ou os supostos lucros.

O processo aberto contra a pirâmide financeira possui diversas vertentes, e abre diversos precedentes. O líder do esquema a nível nacional, Danilo Santana está em Dubai, onde ostenta uma vida de luxo. Por conta da necessidade de extradição, e não haver acordo de extradição entre Brasil e Emirados Árabes, o processo ficou parado, mas pode seguir se houver a cisão (dividir o processo em dois, um único para Danilo, e outro para os réus do Brasil).

Um ponto levantado em conversa com o promotor que cuida do caso em Sapiranga, Sérgio Cunha de Aguiar Filho, é de que a prática, supostamente dita como a fonte do negócio da D9 (apostas em jogos), é semelhante a jogos de azar, cuja regulação também é obsoleta no país, datando do século passado. “O que se é permitido hoje são as apostas em jogos de pôquer, videopôquer, turfe (corrida de cavalos), pois são considerados jogos de habilidade, e não de azar. As pessoas podem apostar, desde que os jogos sejam baseados em questões de habilidade e não de sorte”, disse.

Os sites utilizados para as supostas apostas do esquema, Bet365, 1xbet, etc, são sediados em outros países, e o promotor tem receio de que possam contribuir para práticas criminosas. “Eles não são sediados no Brasil, são estrangeiros. Existe um lóbi muito forte para tentar regulamentar e liberar no Brasil. Está em debate. Talvez o que esteja trancando isso é a preocupação com a lavagem de dinheiro, pois, eventualmente, organizações criminosas de tráfico de drogas e armas, possam começar a utilizar esse tipo de prática para lavagem de dinheiro. Não se sabe a maneira ainda de conseguir fazer esse controle, talvez isso esteja trancando. A minha preocupação é essa, de que esse tipo de negócio acabe servindo para lavagem de dinheiro. Mas, no momento, segue a proibição de jogos de azar. São uma contravenção e continuamos reprimindo como determina a legislação”, define.

R$ 6,5 milhões bloqueados e outros bens

O ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou há quase três semanas o desbloqueio de R$ 6,5 milhões, solicitado por uma empresa que atua no mercado de criptomoedas. A empresa teria recebido depósitos da D9, sendo supostamente utilizada pelos responsáveis da pirâmide para ocultação de valores. A decisão do ministro foi dada em caráter liminar e segue para julgamento no STJ. A estimativa do prejuízo gerado pela D9 no Brasil chega a casa dos R$ 200 milhões, porém não há certeza do valor no Vale do Sinos, pois a polícia acredita que muitas vítimas desistiram do ressarcimento por não terem como provar, ou não se apresentaram a polícia com vergonha de ter caído no golpe. Entre os bens apreendidos, carros de luxos, que estão do deposito da polícia. Dois destes veículos, com recente autorização do juiz Carlos Fernando Noschang Junior serão utilizados pela Polícia Civil de Sapiranga. Os carros serão empregados como viaturas discretas.

A Pirâmide

O promotor Sérgio explica a estrutura da D9. “Eles sempre vão ter algum tipo de fachada como se fosse um negócio lícito, e as pessoas precisam ter cuidado. Se o rendimento for demasiado, desconfie, e outra forma de identificar, até de maneira mais simples, é verificar se a empresa consegue se manter com a venda do produto ou serviço oferecido. No caso da D9, quando a pessoa ingressava ela podia fazer um curso para aprender a apostar nos eventos esportivos e também precisava fazer as apostas, mas eles diziam que não era necessário fazer, pois iriam faturar igual. Ali já era possível identificar que se tratava de um esquema de pirâmide financeira. A maioria das pessoas ouvidas no processo sequer fazia o curso ou as apostas”, disse.

Formação de lideranças na D9

O promotor Sérgio explica como se dava a formação das lideranças no caso da D9.

O Márcio tinha uma incidência muito grande, não só em Sapiranga, mas em nível regional (Sul), inclusive na formação de novas lideranças. Algumas pessoas entravam no negócio, seduzidas pelo suposto lucro fácil e acabavam se destacando, pois tinham a caraterística de atrair mais pessoas para o esquema. Com isso, os organizadores mais centrais viam isso e acabavam cooptando essa pessoa. Eles chamavam ‘vem participar de um congresso, quero te conhecer’, pagavam passagem para essa pessoa, levavam para esses encontros com lideranças e diziam como deveria se organizar, diziam ‘você vai ser um líder’, e assim a vítima acabava entrando no cerne do negócio”, disse o promotor, que explicou ainda que ao passar a líder, a pessoa tinha ciência que se tratava de uma ação criminosa. “Quando se tem ciência de que o negócio não funciona como vendido, ali se sabe que é uma fraude”, pontua.

Texto: Taylor Abreu

Fotos: Arquivo JR