“Se cortar o auxílio emergencial, a demanda de consumo cai 36%”, diz economista

Aplicativo auxílio emergencial do Governo Federal - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

País – Dia 29 de dezembro marcou o pagamento da última parcela do auxílio emergencial, que beneficiou mais de 65 milhões de brasileiros. No total, o programa de benefícios, que ajudou a parcela da população prejudicada pela pandemia, pagou cerca de R$300 milhões. O calendário ainda se estende até o dia 27 de janeiro, com a liberação de saques em dinheiro e transferências pelo aplicativo Caixa Tem.

Segundo o economista e professor da Faccat, Carlos Paiva, 36% do rendimento total das famílias em 2020 foi proveniente do auxílio emergencial. Além disso, houve uma queda expressiva nas ocupações profissionais, de cerca de 12 milhões de pessoas, em comparação com 2019. Confira, ao lado, a entrevista com o professor, na qual ele avalia os impactos do fim do benefício na população e economia do país.

Confira a entrevista completa com o economista:

Carlos Paiva é Doutor em economia e professor da Faccat – Foto: Corecon-RS/Divulgação

Jornal Repercussão: Qual o impacto do fim do auxílio para as famílias?

Carlos Paiva: O impacto é bastante grande, não existe dúvidas sobre isso. O auxílio emergencial foi bastante expressivo no momento que houve uma queda de ocupação bastante significativa. No quarto trimestre de 2019, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) identificava 94,5 milhões de pessoas ocupadas. No terceiro trimestre de 2020, que é o último PNAD que temos sistematizado, havia 82,5 milhões de pessoas ocupadas, o que significa que 12 milhões de ocupações sumiram. Isto é muito grande, um impacto muito grande. Por que a economia não reagiu de forma tão negativa? Por causa do auxílio emergencial. Houve as 12 milhões de perdas de ocupações e uma queda substancial no poder de compra também, maior do que o normal. Temos uma sazonalidade em que no primeiro trimestre se tem um padrão de salário um pouco mais alto, em função de férias, verão, demandas excepcionais no turismo, e no segundo trimestre cai. No ano de 2020 essa queda foi muito mais acentuada que o normal. Então você tem a queda de remuneração nominal, uma diminuição no número de horas e a perda de ocupação. Isto só não impactou na economia de maneira mais grave porque o auxílio emergencial foi muito significativo. Ele chegou a corresponder a 36% de todas as remunerações do trabalho. O conjunto de remunerações das ocupações foi em torno R$ 900 bilhões, e o auxílio emergencial gerou R$ 300 bilhões, ou seja, 33%. Em algumas regiões isso foi maior, 48% das famílias no Brasil receberam o auxílio. No RS, em torno de 20%, foi o segundo estado que menos recebeu em termos percentuais, atrás apenas de Santa Catarina. Mas isso tem uma variação muito grande, em alguns municípios foi acima de 30%, onde o desemprego é maior e a estrutura produtiva foi mais abalada pela pandemia. Em outros municípios, inclusive do Paranhana, ficou em torno de 7%. Quem sofrerá muito é o Nordeste. Tiveram municípios do Norte e Nordeste que todas as pessoas receberam auxílio emergencial. Provavelmente, algumas sem direito, mas isso significa que você vai ter um impacto em termos de poder de compra e consumo que vai para a metade. É uma situação que estamos ainda observando para ver como a economia vai reagir. Nas negociações com o Congresso, há a negociação para se ampliar o bolsa família durante o período de pandemia. Mas isso implica em apenas 36 milhões que receberiam o benefício, já que o bolsa família está associado ao Cadastro Único, e na verdade 68 milhões ganharam o auxílio, o que significa que 30 milhões vão desaparecer, isso também é um impacto bastante expressivo. Comércio é o que mais vai sofrer, alguma coisa o governo terá que fazer, pois vai demorar muito tempo até que a vacina esteja amplamente difundida e se mostre eficaz, neste período teremos dificuldades com o setor produtivo.

 

Jornal Repercussão: O que seriam as “ocupações” das quais você se refere?

Carlos Paiva: Tem o emprego normal, com carteira assinada, o emprego formal e o informal, e as ocupações, que englobam também o setor informal e agricultura familiar, e que é dado pela PNAD. O que temos que acompanhar neste momento são as ocupações, que caíram muito. O emprego caiu menos, mas mesmo assim caiu, e a taxa de desemprego não subiu tanto. Importante explicar que a taxa de desemprego é calculada em função das pessoas que estão procurando emprego, mas agora na pandemia, muitas pessoas desistiram de procurar emprego, porque sabiam que não iriam encontrar, porque as empresas estavam demitindo as pessoas que elas conheciam, por falta de demanda no comércio. A taxa de desemprego não cresceu tanto quanto diminuíram as ocupações, porque as pessoas iam se desocupando e não procuravam emprego, porque sabiam que não iam encontrar. Então, as pessoas dizem “a taxa de desemprego subiu, mas não tanto”, sim, porque as pessoas não ficaram procurando, mas a taxa de desocupação cresceu violentamente.

 

Jornal Repercussão: E que efeitos o fim do benefício pode gerar na economia?

Carlos Paiva: O que tem sustentado a economia é demanda de consumo. Na economia capitalista, você produz se tiver demanda. Se você não tiver demanda para carro, você para de produzir carro, está aí a Ford indo embora. Se sobe a demanda, aumenta a produção, trabalha com hora extra, vira turno na noite, então, depende da demanda. São quatro tipos demandas fundamentais na economia: a demanda dos consumidores, que é a principal. A demanda do Estado, quando este gasta comprando insumos (como giz, alugueis de sala para ENEM, por exemplo), e esse gasto já é limitado, porque o governo está com déficits muito grandes, e então está limitando as compras que ele faz, comprando somente coisas necessárias, e pouco, em função da Covid e dos gastos com auxílio. O investimento é outro padrão de gastos. Quando que os empresários investem? Quando eles observam que no futuro a economia vai estar bem. Vão comprar mais máquinas, vão investir nas suas plantas, e ninguém está apostando muito nisso, então o investimento está baixo. E o último são as exportações, que basta ver o Vale do Sinos: não conseguimos mais exportar calçado como exportávamos antes. Então as exportações não estão bem, os gastos do governo estão diminuindo, os investimentos não estão altos, o que estava sustentando a economia é o consumo. Quem consome de verdade? Os assalariados. As ocupações caíram, e, no ano que passou, 36% do rendimento total das famílias foi auxílio emergencial. Se cortar o auxílio emergencial e não vier mais nada, em média, a demanda de consumo cai 36%. No RS, cai menos, porque não tivemos a mesma importância do auxílio, mas em algumas cidades vai cair significativamente, onde o desemprego em função da Covid foi elevado. No caso do Vale do Sinos e Paranhana, as cidades que mais vão sofrer são Novo Hamburgo, Parobé, Taquara também. As cidades mais agrícolas vão sofrer menos, e as cidades mais industriais e comerciais vão sofrer mais.

 

Jornal Repercussão: Como o governo deve agir neste cenário?

Carlos Paiva: Na minha opinião, o governo deveria ampliar os investimentos públicos, e ter uma politica de financiamento dos investimentos privados um pouco mais ousada. A questão é que o governo está dividido com relação a isso. O Paulo Guedes é da linha mais liberal e ortodoxa, que acha que uma crise ajuda a sanar as doenças da economia, e o ministro da infraestrutura (Tarcísio de Freitas) está lutando para ter uma política de investimentos mais ousada. Eu vejo que vai ter uma queda de braço aí, e com o Congresso também. Se ganhar o candidato da oposição, Baleia Rossi (MDB), eles vão tentar fazer algum tipo de ajuste e voltar com algum tipo de auxílio, provavelmente limitando a quem tem Cadastro Único, e aumentando bastante o que hoje é apenas o bolsa família. Se isso acontecer, não haverá uma crise tão grande. Se não houver muito alinhamento nesse sentido, a crise virá pesada, mais até que em 2020.

 

Jornal Repercussão: Qual a importância do auxílio emergencial para as famílias e para a economia do país? Vale mais a pena para o governo ampiar o auxílio, ou investir em outras medidas?

Carlos Paiva: O auxílio emergencial mantém as pessoas vivas, por um lado, em um momento de pandemia em que a desocupação é grande, e, ao mesmo tempo, mantém a popularidade do governo. O auxílio emergencial foi expressivo ano passado, e o resultado das eleições municipais mostraram isso. Não houve um apoio brutal aos partidos e posições políticas mais identificadas com Bolsonaro, mas também não houve nenhum crescimento ou retorno à expressão da esquerda. Foi uma votação um pouco mais conservadora. Então, ter o auxílio emergencial mantém as pessoas vivas e afina um pouco a população com posições próximas ao governo. Se o governo investir mais, tem consequências positivas para a indústria, para as perspectivas de crescimento da economia mais adiante, mas vai selecionar as pessoas, porque quando se investe, se apoia indústrias e empresas que empregam a população mais qualificada, mais capacitada, e vai estar deixando o setor que vive na informalidade desatendido, e isso pode gerar uma tensão social insuportável.