Brasília debate novo auxílio emergencial, mas ainda há indefinição a respeito dos valores e quantidade

Aplicativo auxílio emergencial do Governo Federal - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Região – O auxílio emergencial, em 2020, foi o sustento para diversas famílias. Criado para aliviar a perda de renda dos brasileiros com o aumento de desempregados e redução nos salários, em função da pandemia da Covid-19, cerca de 65 milhões de brasileiros foram beneficiados em 2020 com as parcelas de 600 e, posteriormente, 300 reais.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, juntamente com os presidentes da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco), discute os formatos da prorrogação do benefício: ainda há indefinição acerca do valor a ser pago, da quantidade de parcelas e quem terá direito. O debate nas casas legislativas, no momento, sugere quatro parcelas no valor de R$250, destinadas a cerca de 33 milhões de pessoas, o que implicaria em um gasto de aproximadamente R$ 30 bilhões aos cofres brasileiros.

A socióloga e professora da Universidade Feevale, Sueli Cabral, explica que políticas públicas de transferência de renda são essenciais para redução da pobreza e da desigualdade social. “Quando falamos nas novas parcelas do auxílio, estamos nos referindo a uma transferência de renda que, frente às consequências da pandemia, têm um papel essencial para preservar minimamente as condições de vida de boa parte dos brasileiros. Não é uma prática apenas ‘assistencialista’, é responsável em manter viva uma parcela da população”, explicou.

“A necessidade (de auxílio emergencial) é total”

Carlos Paiva é Doutor em economia e professor da Faccat, e deu entrevista ao Grupo Repercussão sobre o auxílio emergencial e o debate para ampliação do programa social

Foto: Corecon-RS/Divulgação

Jornal Repercussão: Qual a necessidade de um novo ou uma extensão do auxílio emergencial no momento?
Carlos Paiva: A necessidade é total. O surto de contaminação entrou em uma segunda onda. O processo de vacinação está atrasado no Brasil. Apesar do auxílio emergencial ter sustentado o consumo no ano passado, o país teve crescimento zero em 2020. E, dentro do país, o RS foi o Estado que teve o pior desempenho econômico. Pelo menos é isto que indica o recém lançado Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que é considerado uma prévia do PIB do IBGE e que aponta para uma queda de -4,05% do PIB gaúcho no ano passado. Este resultado não se deve apenas ao fato de termos sido um dos Estados que menos solicitou e recebeu auxílio emergencial. Mas também se deve a isto. Do meu ponto de vista, muitos governos municipais e o governo estadual não se mobilizaram adequadamente para orientar a população a buscar seus direitos. É preciso inibir abusos daqueles que não precisam de auxílio. Mas, igualmente, é preciso orientar e apoiar os que fazem jus ao mesmo. Este auxílio não beneficia apenas famílias carentes. Beneficia o comércio, beneficia os serviços e lança dinheiro nos cofres públicos municipais e estaduais, que, ao fim e ao cabo, beneficiam toda a população.

JR: Como o governo vai arcar com os custos de um novo auxílio, e que impacto pode gerar na economia brasileira?
CP: O governo federal tem inúmeros meios para se financiar. As formas tradicionais são a elevação de impostos ou a ampliação da dívida. Se ele eleva os impostos, ele não entra em déficit. O problema é que, neste caso, alguém vai sair perdendo. Como a função do novo imposto seria redistributivo (pagar o auxílio emergencial), quem teria que arcar com a nova carga fiscal seria a parcela mais rica da população. E o governo parece ter clareza de que esta não é uma estratégia política conveniente, até porque vivemos um momento de grande tensão e instabilidade. A segunda via tradicional é ampliar o endividamento público, lançando mais títulos do governo no mercado. O problema é que a dívida já está alta e dificilmente o governo conseguiria fazer isto sem elevar, novamente, a taxa de juros básica (a Selic). Se a Selic é elevada juntamente com a elevação do montante da dívida, o governo vai ter que gastar muito mais para rolar a própria dívida, pois os juros serão pressionados por dois fatores: pela taxa mais alta e pelo montante maior sobre o qual vão incidir. Com maior dificuldade de rolar a própria dívida, pode haver uma fuga de capitais, uma desvalorização acelerada do real, pressionando em direção à inflação. Quer dizer: as duas estratégias “tradicionais-conservadoras” de administração fiscal – aumento de impostos ou aumento da dívida – estão se mostrando bastante perigosas neste momento. Por isto, o governo aponta para a possibilidade de apelar para a “cláusula de calamidade pública”.

JR: Que cláusula é esta?
CP: Há uma terceira forma tradicional de resolver um problema fiscal: o financiamento do Tesouro pelo Banco Central. Constitucionalmente, o Banco Central Brasileiro está impedido de cobrir os gastos do Governo Federal financiando parte de sua dívida. A não ser em situações de grave excepcionalidade. O governo não está reconhecendo o fato, mas é para isto que está apontando a tal “cláusula de calamidade”. O Banco Central administraria o lançamento dos novos títulos da dívida pública de modo a controlar o impacto sobre o mercado. E nesta “administração”, estaria financiando (pelo menos por algum tempo) o déficit público.

JR: Este movimento é correto?
CP: Do meu ponto de vista, sim. O único problema é que se está fazendo este movimento e, simultaneamente, está tramitando uma lei com vistas a aprofundar a autonomia do Banco Central no Congresso. Este descompasso é que deveria ser analisado, pois ele traz à luz aquele que é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira: a insegurança jurídica. As leis no Brasil são tantas e tão duras quanto são flexíveis as interpretações de juízes e políticos acerca de sua aplicabilidade. Vota-se no aprofundamento da autonomia e, simultaneamente, na utilização do Bacen para financiar os gastos públicos para que o governo não seja obrigado a instituir impostos que possam vir a instabilizar sua base de apoio. Enquanto economista, eu acredito que, no curto prazo, o financiamento pelo Bacen (via cláusula de calamidade) seja menos indolor e a maneira mais correta de lidar com a crise. Mas também sei que a imagem do Brasil no exterior está se desgastando de forma crescente com os casuísmos que inventamos a cada dia que passa.