São fascinantes as histórias das famílias sapiranguenses

Sapiranga – O desenvolvimento e crescimento de Sapiranga, então distrito de São Leopoldo, começou a acontecer a partir da chegada dos primeiros alemães ao Rio Grande do Sul, no período de 1824 a 1826, quando os colonos desembarcaram em São Leopoldo. A primeira área a ser loteada em terras sapiranguenses foi a Fazenda Padre Eterno, cujos primeiros compradores foram João Hofmeister e Henrique Pedro Muller, em 1845. Esses colonos passaram a se dedicar, principalmente, a agricultura de subsistência e também artesanato, ferraria, marcenaria, carpintaria e tamancaria, ofícios que haviam trazido da Europa. Em julho de 1850 havia em Sapiranga e arredores cerca de 398 habitantes.

O desenvolvimento da colônia alemã teve um episódio violento na segunda metade do século 19, a chamada batalha (ou revolta) dos Mucker, um conflito religioso e social entre os colonos no Morro Ferrabraz, que se arrastou de 1868 a 1874.

A partir de 1890, Sapiranga deixa de ser parte do 4.º Distrito de São Leopoldo para ser vila e sede do 5.º distrito, pelo Ato Intendencial n.º 154. Em 1899, iniciou-se a construção da Ferrovia Novo Hamburgo-Taquara, inaugurada em 1903, ampliando o transporte que até então era feito por lanchões, barcos, cavalos, mulas e carretas. Com a ferrovia, Sapiranga recebeu um novo impulso e, ao longo da estrada de ferro, se formaram os povoados, como Araricá e Campo Vicente. A eletricidade chega em 1935, o que favorece a diversificação da econômica. Surgem casas comerciais e indústrias, com destaque para o calçado, sabão, atafonas, metalúrgicas, móveis e alfaiataria. Na década de 1940 as indústrias do calçado e da madeira se destacam ainda mais na localidade, ampliando o mercado de trabalho, a economia e triplicando a população, contribuindo para o desenvolvimento da ideia que já pairava na mente de muitos, a da emancipação.

O movimento emancipacionista

Foi a partir do crescimento de Sapiranga, que as lideranças locais passaram a pôr em prática passos concretos para o efetivo desmembramento de São Leopoldo. Foi criada a Comissão de Emancipação e em 1948 se iniciou o movimento emancipacionista, buscando por independência política e econômica. O número de habitantes ainda era insuficiente (inferior a 12 mil) para se emancipar. Então, a organização apelou aos habitantes dos distritos de Picada Hartz e Campo Vicente (pertencentes a Taquara). Assim, com essa união, Sapiranga cumpria com todas as exigências previstas em lei para se emancipar. Em 1953, após intensa campanha, foi realizado um plebiscito, quando a vontade popular se revelou favorável a emancipação, com proporção de votos de quase 5 a 1. Após seguidos os trâmites, um ano depois, pela lei estadual 2.529 de dezembro de 1954, é criado o município de Sapiranga, sendo oficialmente instalado em 28 de fevereiro de 1955. Todas as famílias que aqui relatam um breve trecho de suas histórias fizeram e foram parte também da história de Sapiranga. São relatos que inspiram pela coragem, desprendimento e solidariedade destes desbravadores.

Família Lindenmeyer

Walter Lindenmeyer, único filho de João Bruno Lindenmeyer, nasceu em Sapiranga em 1952 e conta que o pai, junto com toda a família veio de Morro Pelado. Todos trabalharam no calçado, menos João. “O pai começou a carretear. Naquela época tinha pouca carreta, e o pai era o único que puxava os fretes”, recorda Walter. Seus pais se conheceram em Sapiranga e fizeram parte do início da Igreja Luterana. “Os primeiros cultos foram feitos na casa deles”, destaca. João Bruno trabalhou também na secretaria de obras da prefeitura. “Ele foi um dos que iniciaram com os enxertos nas rosas”, conta Nadir Leão Lindenmeyer, esposa de Walter. O primo de Bruno foi o vereador Adolfo Evaldo Lindenmeyer. “Interessante como naquela época eles, os primos irmãos, prezavam pela amizade. Hoje não se vê mais isso”, pontua Nadir. Sr. Walter pondera que muito provavelmente foi devido às dificuldades que os avós resolveram mudar para Sapiranga. “Moravam lá, puxavam coisa para São Leopoldo, muito judiado. Ficavam a semana inteira na estrada”. Sr. Walter começou no calçado. Depois, por 25 anos, empreendeu na pintura, setor em que se aposentou. Em função do trabalho dele, tiveram que morar em outros municípios. O carinho por Sapiranga, entretanto, é especial. “Nunca pensei em sair. Aqui temos muita amizade. Gosto demais da cidade, jamais quero sair”.


Família Wingert

Muito antes da dedicação à corretora de seguros, os Wingert já se destacavam em Sapiranga, mas em outros setores. O primeiro representante da família a se instalar no município foi Libório Wingert, na região do Kraemer-Eck. Jorge Carlos Júlio Wingert (filho de Libório) e Adolfo Wingert (filho de Julio) foram também grandes referências na região. Carlos Wingert relata que os avós, Adolfo e Anita Lídia Wingert (primeira vereadora mulher de Sapiranga), pais do Sr. Arnoldo Wingert, tinham uma atafona, um moinho de arroz e, na cidade, o armazém, fundado por Balduíno Closs, pai de Anita. O armazém ficava onde hoje são os prédios da antiga fábrica Ebane. “Recebiam produtos dos colonos, o próprio milho era moído alí. Era um ponto estratégico. O trem parava e se abastecia alí”, conta Carlos. O armazém foi mais tarde alugado e vendido.

O Sr. Adolfo era mecânico, trabalhou com montagem de carros da Ford, e também na Metalúrgica Ferrabraz. Ao contrário da esposa, Sra. Anita, não se envolveu com a política. “Ele apoiava a Dona Anita. Mas nunca se envolvia. Eles eram de uma família muito tradicional. Ajudaram a construir a igreja evangélica, o hospital”, recorda a Sra. Lorena Wingert. Sr. Arnoldo Wingert, juntamente com a esposa, Dona Lorena, assumiu a corretora, fundada pela mãe, quando esta se aposentou. “Ela foi uma pioneira. Andava com a pasta embaixo do braço, a pé, por todos os bairros da cidade”, recorda Lorena, valorizando a carteira de clientes construída, não apenas em Sapiranga, mas também em Nova Hartz. Dentre as boas recordações de Sapiranga, Lorena destaca poder sentar na área da casa, tomar chimarrão com os vizinhos e observar os filhos brincando na rua. Para o futuro, Carlos defende o que hoje é um movimento ainda tímido na cidade: o turismo. “Tem uma história, um lugar bonito. Podia explorar, pensar mais nisso”, ressalta.

 


Família Sefrin

Leopoldo Sefrin e a esposa, Catharina Cansi Sefrin, naturais de São Francisco de Paula, vieram de São Leolpoldo para Sapiranga em 1941, quando ele foi nomeado escrivão distrital e, posteriormente, nomeado Tabelião. Os sete filhos estudavam em Novo Hamburgo e São Leopoldo. Todos formados, fixaram residência no então distrito de São Leopoldo, e durante a campanha para emancipação a família tomou posição firme na busca pelo objetivo da instalação do município de Sapiranga. Os irmãos, com o passar dos anos, atuaram em diversos setores, em empresas da região, também na área da educação e da saúde.

 

O desenvolvimento do município, com estabelecimento de empresas e geração de empregos, fez com que as gerações seguintes permanecessem na cidade. A família Sefrin teve ainda atuação marcante na constituição da Sociedade Beneficente Sapiranguense, o Hospital Sapiranga, e na construção do prédio da entidade. Dr. Leopoldo Sefrin e a família também participaram ativamente da criação da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus. Todo o envolvimento demonstra a constante preocupação com os aspectos sociais do município. Vários membros da família também foram sócios fundadores dos clubes de serviço Lions e Rotary.

 


Família Klein

Carolina Lucia Sefrin Klein, com seus 95 anos, lembra com detalhes da história da família. Ela, natural de São Lepoldo, veio para Sapiranga depois que o pai, escrivão, foi transferido. O marido, o Sr. Rude, apelido pelo qual sempre foi chamado Reinaldo Rodolfo Klein, conheceu em um baile de Re-Kerb. Como ela mesma descreveu, foi uma história de amor “bem bonitinha”. Após dançarem neste primeiro encontro, o Sr. Rude voltou a tirar Dona Carolina para dançar em um outro baile. “Aí sim, ficamos dançando 65 anos. Foi muito bom, muito bonito”, recorda, saudosa.

 

O Sr. Rude, era o mais velho de cinco irmão. Eles deram origem ao famoso Morro dos Klein, em função do pedaço de terra da família, que cobria desde o espaço onde hoje é o Parque do Imigrante, passando pela rua do fórum, incluindo o morro onde funcionava a atafona da família (onde hoje é a clínica Vida Nova), até o Travessão Ferrabraz. Tudo era plantação de mandioca. “O vô Reinaldo era agricultor, plantava lá no Kraemer-Eck. Na evolução foi para a atafona, que já existia em 1940. Era uma grande indústria, com balança, todos os caminhões eram pesados”, conta Liane Klein, nora de Dona Carolina. O local onde hoje é o Instituto Estadual de Educação foi doado pela família para o estado. O espaço do parque foi desapropriado porque era uma área verde. O espaço da Praça Arlindo Weber foi também doado pelo Sr. Rude ao município. A indústria das atafonas começou a decair na década de 1970, quando o governo passou a importar ingredientes para misturar na farinha de trigo. A empresa realmente acabou fechando e foi quando a família se voltou para o loteamento e venda das terras. O Sr. Rude e Dona Carolina sempre se envolveram com a cidade, com a própria criação do Lions e Festa das Rosas. O jardim era sempre o mais visitado, em função das centenas de rosas floridas, uma paixão de Rude. Recebiam intercambistas alemães, em função dos grupos musicais da igreja e clube de serviço.


Família Petry

Os irmãos Vera e Lauro Petry, nostálgicos, contam dos belos tempos em que todos no centro se conheciam e sobre a família, de anos em que ainda nem o avô era nascido. Mais tarde, foi este avô e um irmão que abriu uma fábrica de móveis em Sapiranga, na Rua Tiradentes. O tio deles, Sr. Oscar Balduíno Petry, foi prefeito da cidade, na década de 1960. Inclusive, a oficialização da alcunha Cidade das Rosas ocorreu neste período, com a criação da Festa das Rosas, idealizada em sua administração. Foi também em seu mandato que a prefeitura e o palácio de esportes foram construídos.

Eles lembram da instituição dos concursos de jardins mais floridos, quando o centro era coberto por canteiros de rosas. “Toda a João Corrêa, as calçadas tinham rosas, que transcendiam perfume no final do dia. Ninguém apanhava ou quebrava”, conta Vera, cujo pai, Artur Ernesto Petry, foi por muitos anos lembrado pela Loja Petry, da qual foi o proprietário. “A loja do pai era grande, tinha de tudo, bicicleta, louças, vara de pesca, material escolar, elétrico, televisão. O pai foi o primeiro que trouxe televisão para Sapiranga”, recorda Vera. Eles ressaltam como a família sempre se envolveu na formação do município. “Isto foi uma das coisas importantes que se perdeu, o pessoal era muito envolvido, todos participavam. Nosso irmão mais velho, o Carlos, foi vereador na gestão do tio Oscar”, destaca Vera.

Foi o avô também que decidiu construir um cinema, em 1943, bem no ano em que a guerra foi decretada. O projeto foi suspenso e o prédio, alugado para outros fins. Nos anos 1960 os jovens se envolveram no grupo musical Viva Gente. “Chegamos a ter 120 jovens. A gente se reunia todos os sábados, tinha apresentações. Era uma ocupação legal,unia todos”, destaca Vera. O pai, um autodidata, com quinto ano primário, era perfeito no alemão, sabia inglês, química, consertava as TVs e chegou a ir a São Paulo ensinar os técnicos a forma pioneira que desenolveu para consertar os complicados circuitos integrados.


Família Candemil

O Dr. Candemil é até hoje lembrado por filhos e netos de sapiranguenses que foram atendidos por ele, a partir de 1962. Até então, Sapiranga contava apenas com o Dr. Décio Gomes Pereira e com o Dr. Pedro Leist. Com a chegada do casal de médicos, Manoel Candemil e Emma Esther Zatar Candemil, a cidade passou a contar com quatro. Dona Emma era ginecologista e obstetra, Sr. Candemil era clínico geral e cirurgião. “Pai se formou em medicina em 1948 e fez residência em Taquara. Foi lá, em 1949, que ele ouviu falar de um hospital a venda em Picada Hartz”, conta o filho Newton Candemil. “O pai resolveu encarar e comprou o hospital. Eles casaram em 1951. Minha mãe se formou em 1950”, relata. Lá ficaram por 10 anos. “Foi interessante que a mãe foi uma enfermeira de luxo. Porque, por ser mulher, não pôde exercer a profissão”, destaca o filho. Venderam o hospital e vieram para Sapiranga em 1962. Compraram uma casa na esquina da Carlos Biehl com a Padre Reus. A Sra. Emma então começou a praticar a medicina. Dr. Candemil, participou ativamente do cenário político. Foi eleito vereador, pelo distrito de Picada Hartz, na primeira câmara de vereadores. “Estavam bem integrados. Em 1957 eles foram membros fundadores do Lions Clube aqui de Sapiranga”, pontua Newton.

A medicina, na época, não tinha a centralização do hospital. Qualquer problema, os médicos iam nas casas ou atendiam nos seus consultórios, normalmente na própria casa. Dr. Candemil, cujo projeto de vida era se aposentar com 50 anos, não conseguiu se afastar da medicina. Com 75 anos, estava em plena atividade. Com as cirurgias, parou antes, em função do envolvimento emocional que tinha com os pacientes. “Ele começou a não dormir de noite, a se preocupar. Eram pessoas queridas”, lembra o filho. O Dr. Candemil faleceu em 2003, aos 80 anos. Emma, aos 84 anos, em 2006.

 

Texto: Sabrina Strack

Fotos: Arquivo Pessoal