Preço do arroz sofre aumento de até 60% nos mercados da região nos últimos dois meses

Preço do alimento aumentou 100% em um ano, de acordo com estudo da Universidade de São Paulo (USP) | Foto: Deivis Luz

Região – Alimento tradicional na mesa das famílias brasileiras, o arroz passa por um momento de elevação no seu preço médio. Nas últimas semanas, o preço do pacote de cinco quilos é encontrado nos supermercados por valores próximos aos 30 reais. Nos mercados da região, o valor do quilo passou de R$ 2,90, em julho, para
R$ 4,60, em setembro, o que representa um aumento de 58,6% em apenas dois meses.

A proprietária do mercado Wesz, Sílvia Wesz, de Sapiranga, relata que a alta nos preços gerou uma queda de 30% nas vendas do arroz. Além disso, outros produtos básicos sofreram variações no valor, como o feijão, o poleo de soja, o leite, o açúcar e a farinha. “O que estamos tendo maior dificuldade de compra é o óleo de soja. Não tem como ignorar os aumentos, mas procuramos negociar preço com os fornecedores, muitas vezes adquirindo grandes quantidades para ter um preço competitivo no mercado. Mas se compararmos o preço de 5kg de arroz, que dá para 5 pessoas comer por aproximadamente 14 dias, com um refrigerante de 2,5L que custa em torno de R$7,00 e cinco pessoas consomem em um único dia, será que o arroz está realmente caro? Talvez ele era barato demais e as pessoas não davam valor”, afirmou Sílvia.

A economista e professora da Universidade Feevale, Lisiane Fonseca, afirma que o preço do arroz subiu muito por dois motivos principais: a entressafra, período no qual há menor produção de arroz, e a alta demanda, pois, com a pandemia e o isolamento, as pessoas passaram a cozinhar com maior frequência.

 

“Supermercados e atacados são apenas a ponta do iceberg”

Alesson da Silva, comprador do Mundo Real Atacado, afirmou que o supermercado também sofreu com o gasto a mais para adquirir o produto. Segundo Alesson, no início da pandemia, houve aumento nas vendas do produto, em função do medo dos clientes de que o atacado pudesse fechar as portas. A partir do segundo semestre, as vendas ficaram travadas pela alta dos preços. “Supermercados e atacados são apenas a ponta do iceberg, ficamos de mãos atadas e temos que repassar os valores estipulados pelas cadeias anteriores”, lamentou o comprador.

 

Arroz pode ser substituído

A nutricionista Sana Chilanti afirma que o arroz tem predominância de carboidratos e, portanto, pode ser substituído na alimentação diária por alimentos como batata branca, batata doce, aipim ou macarrão. Ela ressalta que os alimentos não são exatamente iguais uns aos outros, e, portanto, a substituição deve ser feita com atenção. Além disso, ela dá a dica de preparar o arroz com legumes, fazendo “render” o prato, se tornando, assim, um prato mais nutritivo e com custo mais baixo.

Os malefícios do arroz, segundo a nutricionista Sana, estão mais ligados a carboidratos de má qualidade, como biscoitos, salgadinhos, sorvetes e açúcares. Esses, quando consumidos em muita quantidade e em uma frequência maior, podem estar relacionados à obesidade, diabetes e cansaço. “Carboidratos de boa qualidade, como batata, batata doce, aipim, arroz e arroz integral são muito utilizados pelo nosso organismo como nosso “combustivel”, são eles que geram a nossa energia. Os malefícios deles se encontram, geralmente, no preparo, pois é quando há a adição de óleos, sal e queijo, por exemplo”, finaliza Sana.

 

“O aumento no preço é um conjunto de fatores”

Entrevista na íntegra com a economista e professora da Universidade Feevale, Lisiane Fonseca

Foto: Divulgação/Universidade Feevale

Jornal Repercussão: Qual a explicação do aumento no preço dos alimentos, em especial o arroz?
Lisiane Fonseca: Tem um conjunto de coisas que estão acontecendo. Primeiro, estamos em um período de entressafra na colheita de arroz aqui no nosso estado. É um período, então, que ele está plantado mas não está sendo colhido. Só que, mesmo que tenhamos estoque, tivemos um crescimento muito expressivo da demanda interna, ou seja, aumentou o consumo. E o consumo aumenta porque, em função da pandemia, as pessoas estão mais em casa, estão cozinhando mais. Então, fora de casa, em um restaurante, no horário de trabalho, eu me sirvo de lasanha, salada, coisas diferentes, que normalmente as pessoas não fazem em casa, e não necessariamente arroz e feijão. Em casa, essa demanda acaba sendo um pouco maior, até por ser uma das refeições típicas do brasileiro. Junto com isso, o arroz brasileiro que está a disposição no mercado está sendo muito exportado, pois o câmbio está mais interessante para exportação. Portanto, quem vende o arroz, em uma conversão de câmbio, vai acabar ganhando mais exportando do que no mercado interno. Nesse sentido temos alguns elementos dentro da economia pressionando o arroz, o feijão, o óleo, entre outros. Alguns economistas estão analisando o impacto das pessoas em casa, por causa da pandemia, e que por consequência estão cozinhando mais, mas também o impacto do próprio auxílio emergencial. As pessoas estão cozinhando não só por necessidade, mas também como um hobby, por lazer. Eu acho que o crescimento de programas na televisão dedicados à gastronomia é uma prova disso. E estes programas, além disso, estão incentivando as pessoas à cozinharem pratos mais elaborados no seu dia a dia. Temos mais pessoas demandando o produto e com maior frequência.

JR: O que o consumidor pode fazer para driblar esse aumento no preço e como enfrentar este momento?
LF: Uma possibilidade é procurar substitutos. Eu sei que, por ser o prato típico, a gente acha meio difícil fazer isso. Mas tentar de fato consumir outras coisas, como batata, aipim, macarrão, outra forma de carboidrato que possa saciar a necessidade do alimento e sem comprometer a qualidade nutricional. Outra questão que é importante termos em mente é que a tendência futura do mercado – e aí eu já falo em final do ano, início do ano que vem, até março mais ou menos – é de normalização. Primeiro porque teremos uma nova safra, então isso aumentará a oferta do produto no mercado, mas também porque a gente não deve ficar nesse cenário de pandemia e reclusão por tanto tempo. Então, hoje, a alimentação dentro da economia, principalmente pensando em arroz e feijão, se encaixa em um conceito que chamamos de bem inelástico. É um bem cuja demanda e consumo não se altera de forma significativa em função de mudança de renda, ou seja, tu não vai comer mais se ganhar na Mega Sena nem vai comer menos se teu salário diminuir. E também é um bem menos sensível à variação de preço. Isso significa que uma família, quando vai no supermercado, pode abrir mão de um iogurte ou refrigerante, mas dificilmente abrirá mão do arroz e feijão. Isso também mantém o preço do arroz pressionado para cima. A expectativa é que o preço tenda a uma normalidade nos próximos meses, e quando digo isso me refiro à próxima safra, que deve ocorrer no início do ano que vem. Mas percebemos que é um dos poucos setores dentro da economia que está com pressão nos preços. Isso porque a grande maioria está com a demanda em queda, as pessoas estão e casa, estão viajando menos, estão comprando menos roupas, menos calçados, mas a alimentação é básica. Então, de certa forma, alimentos, produtos de higiene e saúde, são os que têm mantido seus preços pressionados para cima.

JR: Então, este valor mais alto deve seguir por mais alguns meses, até o início do ano que vem?
LF: Temos alguns pontos que precisam ser observados. Eu comento sobre o início do ano que vem pensando em uma nova safra, que deve começar a ser colhida daqui três ou quatro meses, por volta de fevereiro. E ela não é colhida ao mesmo tempo, alguns fazem em fevereiro, outros em março, enfim. O que quero dizer é que a tendência da economia, passado o pico da pandemia, é retomar um certo ritmo, então a demanda começa a se diluir um pouco mais, e a pressão fica um pouco menor. Mas tudo depende, também, do câmbio, por exemplo, para entendermos como vai ficar a relação do que vai ser vendido dentro do Brasil e o que vai ser exportado. Depende do comportamento das pessoas, mesmo que, como eu citei anteriormente, feijão, arroz e óleo acabam tendo um comportamento mais rígido em termos de demanda, não há grandes oscilações. Até por isso que parte hoje da venda está sendo realizada para o exterior, pois, para os vendedores e produtores, é uma oportunidade de negócios vantajosa, mesmo que crie um impacto no mercado nacional.

JR: Qual a recomendação para os consumidores neste momento: deve ser feito estoque do produto e comprar grandes quantidades?
LF: No cenário que temos agora para este produto específico, se as pessoas vão ao mercado e compram quantidades maiores, elas estão concordando que o preço deve subir (em termos de mercado). O que recomendamos em situações como essa é de comprar o necessário. Não precisa fazer estoque. Como este produto passa por períodos de safra e entressafra, mais pra frente terá um período de aumento na oferta, em que será feita a colheita do produto, e terá um volume maior para vender. O que quero enfatizar é que o produto não vai desaparecer, e o quanto mais as pessoas agem dessa forma, de querer comprar quantidades maiores, elas estão pressionando ainda mais a demanda, e aí sim é que o preço não baixa.

JR: A normalização, então, ocorre em um processo natural? Não depende de movimentos governamentais ou do mercado?
LF: Acontece ao natural. O próprio mercado vai se reorganizando em função desse novo perfil de oferta de produtos à disposição no mercado. Um exemplo, para que fique mais fácil de entender a reorganização do mercado: na safra da bergamota, o preço cai muito, em qualquer mercadinho encontramos a fruta, mas a melancia é muito cara. Quando chega mais para o final do ano, essa safra inverte aqui no Rio Grande do Sul. Entramos no período de entressafra da bergamota, ou seja, o preço da fruta sobe até praticamente sumir do mercado, pois ela precisa vir de outros estados para nos abastecer, mas, em compensação, começa a baixar o preço da melancia, pois no final do ano ocorre a safra de melancia. Então, quem comprar melancia agora (em setembro) aqui no Rio Grande do Sul, vai pagar um preço mais alto, pois, assim como a bergamota no verão, ela vem de outro estado para nos abastecer. Esse exemplo, claro, facilita o entendimento, mas porque é muito fácil substituir uma fruta por outra. Já o arroz é mais difícil de ser substituído. Trocar por purê de batatas, por exemplo, não é a mesma coisa que o arroz, e por isso para algumas pessoas essa troca é mais difícil. Mas a tendência, sim, analisando todos os cenários que temos levantado, é que o preço deve começar a regular.

JR: Essa variação no valor do arroz ocorre anualmente? Por que agora o consumidor está sentindo mais?
LF: O que mais agravou mesmo é o aumento do volume exportado. A nossa produção de arroz tem uma certa regularidade que atende à demanda interna. Então, eventualmente temos problemas de safra por questões climáticas, por exemplo, como seca ou excesso de chuvas, mas existe uma regularidade de oferta. Nesse período, especificamente, temos um desequilíbrio em dois componentes, que é a demanda e a exportação. Por isso que, provavelmente, o consumidor esteja percebendo essa variação mais expressiva no preço.