Livro contextualiza vida de Jacobina e detalha contexto histórico

Sapiranga – Jacobina Mentz Maurer era uma das sete crianças do casal de imigrantes alemães, Andreas Mentz e Maria Elisabeth Müller. Como boa parte dos alemães, vieram para o Brasil para trabalhar na agricultura, utilizando como principal ferramenta suas próprias mãos. Um conceito criado à época era de que este tipo de pessoa fazia trabalhos indignos.

A figura de Jacobina emergiu no contexto histórico entre 1868 e 1874 como esposa de um agricultor e curandeiro. Posteriormente recebeu, gratuitamente, a expressão e definição de líder religiosa. Mais tarde, escritores, pastores, colonos alemães, sub-delegado e uma série de atores envolvidos no episódio Mucker, a definiram como a catalisadora de um movimento messiânico entre colonos alemães e descendentes do Ferrabrás (durante todo o livro, Martin Dreher, utiliza esta grafia, e este texto preservará a ortografia conforme o autor no livro A Religião de Jacobina).

Em 1874, Jacobina e outros adeptos de suas ideias foram massacrados por tropas do Exército Nacional, auxiliados por colonos. Através da pesquisa do professor Martin Dreher, é possível afirmar que o corpo de Jacobina foi violentado depois de morta, desenterrada para passar por novos vexames e depois sepultada em vala comum. Como se não bastasse os atos de crueldade, ainda foi jogado cal sobre seu cadáver para que nada restasse do seu corpo.

A definição de Mucker amplamente utilizado para expressar o episódio envolvendo Jacobina (que de nascimento leva o sobrenome de Mentz) possui explicação o contexto histórico religioso e da cultura alemã. Segundo os estudos do professor Dreher, Mucker tem largo uso no idioma alemão. Ele possui sinônimo depreciativo de pietista, logo quem era pietista era Mucker. O Pietismo teve sua renovação no século XIX e era conhecido como Reavivamento ou Despertamento. Assim, Jacobina faz parte das muitas tradições religiosas trazidas pelos imigrantes alemães protestantes. A família de Jacobina foi expulsa do território alemão da Turíngia, por não querer renunciar à antiga fé e fechar-se à Ilustração, outro movimento religioso ascendente naquele período.

Contexto da chegada da família de jacobina

Jacobina e o seu esposo, João Jorge Maurer (que era carpinteiro e curandeiro), liam jornais, almanaques, cantavam canções e possuíam em suas casas livros de piedade, vidas de santos e sabiam que no século XVIII, no Rio Grande do Sul, circulavam livros que buscavam desmistificar a religião, ou adequá-las as novas descobertas científicas. Na realidade, o casal Maurer – depois designado por colonos de Mucker – integravam uma corrente que pregava tolerância religiosa. Toda a família de Jacobina chegou de navio, ao Brasil, em 1829. Antes, em março de 1822, cansados das discussões e pressões, o avô de Jacobina, Johann Liborius Menz, declarou que deixaria o Reino da Baviera. Assim, a família de nove pessoas, emigrou da Alemanha.

O contexto da imigração alemã inicia a partir de 1822, quando foi proclamada a República no Brasil e instalado o Império do Brasil. Em 1821, o major Dr. Jorge Antônio von Schaeffer, fundou na Bahia, as primeiras colônias de imigrantes alemães. Em 1823, pessoas contratadas por von Schaeffer convenceram agricultores e artesão a migrar para outra região do Brasil.

Quando Jacobina e seu esposo, João Jorge Maurer, se instalaram no Ferrabrás, promoviam cultos domésticos com leituras e interpretações da bíblia protestante, entoando cânticos, além de formularem orações. O detalhe é que para a comunidade Luterana, confessar-se fora do território e comungar em um outro local que não o de costume, era interpretado como um crime e um flagrante episódio de conflito. Na realidade, essa postura demonstrava uma total incapacidade dos próprios colonos em aceitar o outro. Se estima, que o movimento reuniu entre 700 a 1.000 pessoas. Outra estimativa de Dreher é que os Mucker do Ferrabrás, estavam distribuídos entre 150 pessoas reunindo 10 famílias.

Personagens da história

Contexto da chegada dos alemães e os Maurer

Jacobina Mentz, aos seis anos de idade Fotos: Acervo do Museu Visconde de São Leopoldo

O primeiro navio com imigrantes alemães – chamado de Caroline – partiu de Hamburgo em 17 de dezembro de 1823 e chegou ao Rio de Janeiro em 14 de abril de 1824 com 231 colonos e soldados a bordo. No segundo transporte de emigrantes para o Brasil a bordo do Anna Louise foram despachados 11 detentos. Essa embarcação deixou o porto de Hamburgo em 24 de março de 1824. Outros 23 detentos foram colocados no navio Germânia que deixou a Alemanha em 9 de maio de 1824. No navio Germânia estavam ainda o médico Johann Daniel Hillebrandt e Liborius Mens (SIC, avô de Jacobina), 58 anos, com a esposa Ernestina, 50 anos, e os filhos Andreas (o pai de Jacobina), 34 anos, Dorothea Elisabeth, 19 anos, Liborius 22 anos, e Sophia, 18 anos e Louise de dois anos. Conforme citado anteriormente, os Mentz eram separatistas desde quando saíram de Tambach, de onde eram originários.

Ao todo, von Schaeffer despachou via Hamburgo, na Alemanha, 4.600 pessoas. O menor contingente deste total foi destinado à Colônia Alemã de São Leopoldo, chegando em 1824 e 1825, no total de 1.027 imigrantes. Essas chegadas ocorreram até 1830. Depois, em 1831 e 1832 o parlamento brasileiro cortou os recursos destinados à Imigração. A Colônia Alemã de SL surgiu no território da Real Feitoria do Linho Cânhamo e da Estância Velha, que era povoada por indígenas. No Rio Grande do Sul criou-se designação coletiva para os migrados da área do Rio Reno, Mosela, e Meno que foram designados de hunsrücker. O hunsrücker é um planalto.

O conflito com os Maurer e os Mucker teve entre os seus episódios iniciais o fato ocorrido em 30 de abril de 1874. Nessa oportunidade, o órfão Jorge Haubert, antes adepto dos Mucker, é assassinado e o terror se instala na Colônia, provocando a intervenção militar. Depoentes contra Jacobina a maioria residia na chamada Capela Piedade, atual Hamburgo Velho, em Novo Hamburgo. Eles não residiam no Ferrabrás. Carl Lanzer era professor em Hamburgo Velho e foi convidado por Jacob Mentz, irmão de Jacobina a visitar a casa dos Maurer. O sub-delegado, Lúcio Schreiner, enviou carta ao chefe de polícia do Rio Grande do Sul classificando o que ocorreria no Ferrabrás de fanatismo religioso. O chefe de polícia era Luiz Sampaio, que instaurou o inquérito policial e intimou o casal Maurer e os signatários de um abaixo-assinado a comparecerem na delegacia. Sampaio determinou o envio de João Jorge Maurer ao Quartel da Polícia, em Porto Alegre, e Jacobina, para a Santa Casa de Misericórdia. O médico, João Daniel Hillebrand atestara que Jacobina possuía transtorno do sistema nervoso central, devido a má interpretação da Santa Escritura e de escritos misteriosos. Mas, aos superiores, Sampaio confessou que havia cometido arbitrariedade. Em tudo não havia base jurídica legal, conforme atesta o professor, Martin Dreher.

Falta de convivência religiosa, prisão de João Jorge Maurer e o avanço das tropas e massacre dos Mucker

Os colonos consideravam a questão dos Mucker de não irem na igreja, não levarem os filhos na escola, e não enterrarem seus mortos no cemitério comunitário como um descaso. Desta forma, os colonos concluíram que cabia a eles fazerem justiça com as próprias mãos. Maurer ficou 45 dias em Porto Alegre e precisou se comprometer a não promover mais reuniões. Na casa dos Mentz-Maurer, os Mucker romperam com a nova tradição estabelecida (capela, cemitério, escola, salão de festas, campo esportivo). Outra quebra de paradigma foi que Jacobina, ao contrário das igrejas tradicionais, tornou-se líder do serviço religioso, figura que sempre foi de competência masculina. Os Mucker foram os precursores dessa frente.

Na volta após a prisão em Porto Alegre, o casal foi recebido com festa no Ferrabrás. Os adversários ficaram furiosos.
O barão de Jacuhy, dono das terras de Padre Eterno, acusou os Maurer de seita e diz que João Jorge convidaria neófitos (principiantes) de sexo masculino a ter relações sexuais com Jacobina: Jacobina é transformada em prostituta. Outro estopim para o conflito que dizimou os Mucker envolveu a prisão do imigrante Carlos Einsfeld. Em 26 de junho de 1874, pessoas incendiaram duas casas de Mucker, entre elas a de João Renner. Outras 11 foram saqueadas. Outro fato histórico narrado por Dreher é que ocorreu uma emboscada, perto de Dois Irmãos, com feridos e mortos. Em 28 de Junho tropas escoltaram um oficial de justiça para prender Maurer. Segundo versão oficial, os Mucker revidaram e mataram o coronel, Genuíno Sampaio.

De junho a agosto de 1874 todas as tropas disponíveis em Porto Alegre, destacamentos da Guarda Nacional, tropas da guarnição de fronteiras de Jaguarão, Pelotas e Rio Grande participaram do massacre do Ferrabrás. Tropas militares confiscaram bens dos Mucker e avançaram sobre as suas mulheres. Jacobina morreu em 19 de julho de 1874. João Jorge Maurer nunca foi encontrado. Em 2 de agosto de 1874 os Mucker foram dizimados.

São Leopoldo possui busto em homenagem a história de Jacobina

Sessenta por cento dos imigrantes alemães que se estabeleceram no Vale do Sinos eram evangélicos, integrando Luteranos e reformados (calvinistas). No Brasil, também se designou de protestante. Mas, essencialmente eram luteranos. Posteriormente, emergiram duas igrejas: a IECLB e a IELB

Município de São Leopoldo presta homenagem a história de Jacobina e dos Mucker com colocação de busto na entrada da prefeitura

As raízes de Jacobina Mentz Maurer e de sua família encontram-se no pietismo alemão assim como de dezenas de outros imigrantes. Uma das características desse Pietismo é a experiência com o Espírito Santo. O autor acredita que Jacobina tenha passado pela experiência de conversão, por isso dá testemunho que recebeu e percebeu a ação do Espírito Santo e essa experiência a tornou respeitada dentro do grupo. Jacobina não se designava Cristo, mas os colonos depoentes, Koseritz e Schupp, sim.

Lutero diz que os cristãos devem ser tornar cristos para os outro. O movimento Mucker em questão de espiritualidade é movimento de reavivamento, como observaram pastores contemporâneos.
Ilustrados, pastores, padres e o grupo majoritário de colonos alemães não conseguiram admitir outra coisa. A liderança feminina de Jacobina. Os padrões de masculinidade da época não suportavam tamanha vanguarda por isso muitos diziam que ela era prostituta.
Viveram em época de ódios, em que era impossível querer ser diferente. Buscaram se defender, argumentar, reivindicar direitos à liberdade de expressão e sucumbiram ao fundamentalismo.

Jacobina Mentz nasceu na Capela da Piedade em São Leopoldo. João Jorge Maurer nasceu na Picada Portuguesa, em São Leopoldo. Um busto de Jacobina foi colocado na Praça Fronteira à Prefeitura de São Leopoldo.

Em São Leopoldo o Centro de Defesa da Mulher Violentada leva o nome de Centro Jacobina, servindo de patrona para mulheres violentadas.

Texto: Deivis Luz

Fotos: Arquivos históricos e livro de Martin Dreher