Famílias campo-bonenses contam momentos das suas histórias

Campo Bom – Campo Bom iniciou como colônia de São Leopoldo. Antes do início da imigração alemã, era habitada por índios, chamados de bugres. A chegada dos primeiros colonos alemães data de 1824, foi a partir de então, durante o período de colonização que se desenvolveram muitas das atividades que ainda hoje fazem parte das características da cidade, como agricultura de subsitência e indústrias. A comunidade se organizava em torno das escolas, igrejas, capelas e casas comerciais, como acontecia antes, no seu país de origem, a Alemanha. Os imigrantes, além de desenvolvimento econômico, trouxeram para Campo Bom as práticas religiosas, tanto dos protestantes, quanto dos católicos. A educação foi outro aspecto que sempre recebeu bastante atenção dos colonizadores, que fundaram e desenvolveram escolas.

Foram diversas as famílias que se formaram e que ajudaram a moldar e a transformar Campo Bom na cidade que vem se destacando pelo desenvolvimento econômico e estrutural dentre os municípios da região. Algumas famílias já são tradicionais na cidade, seja pelas realizações, seja pelo conhecimento compartilhado, seja pela dedicação em transformar o município em um lugar melhor. Sobrenomes que até hoje são reconhecidos e lembrados por muitos campo-bonenses.

O Jornal Repercussão conversou com representantes de cinco destas tradicionais famílias. Eles contaram, dentro da realidade de cada um, aquilo que seus pais, avós e bisavós enfrentaram para construir a Campo Bom de 2019. A família Orth, cujo patriarca, o professor Antônio Nicolau Orth, hoje dá nome à Biblioteca Municipal. Os Blos, espalhados pela cidade, atuam em diversos ramos. Ainda a família Vetter, cuja fábrica de calçados foi eternizada no Largo. Os Metzler, que hoje dão nome a um bairro. E os Reichert, reconhecidos pelo sucesso no ramo calçadista.

Muitos chegaram antes de 1959

Muitas das famílias que iniciaram suas vidas em Campo Bom chegaram antes da emancipação. Foi exatamente todo o empenho em prosperar destes migrantes que ajudou na conquista da independência. O relevante crescimento econômico da cidade na década de 50 transformou a Vila de Campo Bom na principal colaboradora na arrecadação econômica de São Leopoldo. Mesmo com a significativa contribuição, Campo Bom não recebia retorno do distrito. Foi então, a partir de 1956, que a ideia de emancipação passou a tomar os pensamentos da população. O empenho foi grande. Foram contados como gêmeos os filhos das grávidas no ano de 1957-58 e a Barrinha foi anexada. Mesmo assim, o número de habitantes ainda era insuficiente. Foi quando o então deputado estadual Victor Graeff conseguiu alterar a legislação estadual. Assim, os campo-bonenses conseguiram a tão esperada independência, em 31 de janeiro de 1959, após um plebiscito, em 1958.

Família Blos

Um único migrante Blos originou toda a ramificação da família

Não há quem não conheça algum Blos em Campo Bom. E o mais incrível é que todos os Blos descendem de apenas um imigrante, um dos primeiros que veio para o município, o João Blos (ou Johannes, em alemão).

A genealogia foi toda mapeada por Edvino Blos, técnico em contabilidade e historiador, que passou muitos anos pesquisando sobre a imigração alemã no estado, especialmente em Campo Bom e a história da sua própria família.Edvino faleceu jovem, aos 66 anos, em 1984.

 

“João teve 13 filhos, dois faleceram, e o terceiro, o Miguel Blos, é de quem descende a minha geração. Todos os Blos vieram de uma pessoa só”, ressalta Jurandir Blos, filho de Edvino, e que hoje segue o hábito do pai, de pesquisar e buscar mais informações sobre imigração e a história da família.

Como muitos migrantes, eles vieram para o Brasil com terras prometidas pelo governo. “A nossa família que veio para cá, a maioria se interessou por olarias, foram trabalhar com barro. Porque os antecedentes, lá na Alemanha, essa era a profissão deles. Meu avô ainda trabalhou com olaria”, conta Jurandir. Assim, os primeiros Blos de Campo Bom, se instalaram na Barrinha. João também plantava para tirar o próprio sustento e da família. Foi a partir do desenvolvimento destas atividades que teve condições de comprar grandes áreas de terra. Ele também instalou um moinho de moagem de cereais no Morro das Pulgas, hoje bairro Rio Branco. ” Uma das maiores tristezas do meu pai foi esse local não ter sido transformado no museu. Ele queria que fosse lá, um museu temático”, destaca Jurandir. Dos filhos do migrante, Miguel Blos, que teve 10 filhos, foi quem tocou o moinho. “Meu pai é descendente do filho do Miguel, o Pedro Blos, ainda oleiro. O Sr. Armin Blos, vice prefeito junto com Giovane (Feltes), ele era primo do meu pai. Filho do João Blos”, explica.

Família Orth

Professor Antônio Nicolau Orth deu nome à Biblioteca

A vida, muitas vezes, segue por caminhos inesperados. Foi assim com o o Sr. Antônio Nicolau Orth, pai de Ana Maria Orth, Luís Antônio Orth e José Alfredo Orth. Antônio, o filho mais novo de 11 irmãos, nasceu em Santa Catarina. Ele resolveu entrar para o seminário. “Na época de Natal era comum os padres jesuítas mandarem os alunos para ajudarem nas comunidades. E o pai veio para Campo Bom”, conta Luís Orth.

E foi em Campo Bom que o rumo mudou. Ele conheceu uma moça que também ajudava na paróquia. “Largou a batina! Namoraram e casaram”, se diverte o filho. Sr. Antônio, muito inteligente, sempre estudou e tinha paixão por ensinar. Durante o seminário, já cursava direito, pois seria o advogado da ordem jesuita.Aprendeu grego e latim, cursou diversas faculdades, como filosofia, letras e teologia. Se pós-graduou em língua portuguesa, e voltou para o direito, concluindo o curso em 1986. Todo este conhecimento o levou a chefia do departamento de edição e tradução da editora Globo, em Porto Alegre, onde permaneceu por 15 anos. “Era o pai que fazia a revisão dos livros do Érico Veríssimo. Tenho lembrança da infância, quando Veríssimo veio aqui em casa, em Campo Bom, trazer livros para o pai”, recorda. A paixão verdadeira, entretanto, era por ensinar. Largou a editora para lecionar em tempo integral. Foi o Sr. Antônio que fundou o Colégio Comercial 31 de Janeiro (hoje Ildefonso Pinto) e o Ginásio Estadual de Campo Bom (hoje 31). “Ele se dedicou à cultura. Era o que ele queria. Era exigente com os alunos e com ele próprio. Pra nós é motivo de orgulho. As pessoas nos param para contar que foram alunos do pai”, destaca Luís. A homenagem da biblioteca, em 2008, foi recebida ainda em vida.

Família Metzler

Dr. Wolfram Metzler se apaixonou por Campo Bom, adquirindo terras que depois se transformaram no Bairro Metzler

Os Metzler de Campo Bom até nome de bairro conquistaram. Tudo começou com o migrante alemão Hugo Metzler, jornalista. Após trabalhar em Novo Hamburgo, se casou e mudou-se para Porto Alegre, onde escrevia e dirigia o jornal alemão Deutsches Volksblatt. Hugo foi o pai de Wolfram Metzler, médico , deputado estadual e federal, líder dos integralistas do Rio Grande do Sul, presidente do Incra e candidato ao governo do estado na década de 1950. Na época era o Dr. Wolfram que atendia os pacientes de Campo Bom. “Por ser um grande idealista na agricultura e forte defensor dos colonos, ele adquiriu uma área de terra no município, onde sempre vinha passar os finais de semana”, conta Thomas Metzler, neto do médico.

O espaço ficou conhecido como a Chácara Metzler e serviu para muitos experimentos agrícolas, desenvolvido por uma comunidade japonesa. O terceiro filho de Wolfram, Nicolau, pai do Thomas, também se apaixonou pela Chácara e passava a maior parte do seu tempo por lá. E foi após a morte do pai, em 1957, que Nicolau se mudou para Campo Bom. “Era o lugar onde ele gostava de estar”, relata o filho, Thomas. Nos anos 1970 Campo Bom prosperava em função das diversas indústrias instaladas na cidade, principalmente na produção e exportação de calçados. A cidade acolheu milhares de pessoas do interior do estado. “Foi neste momento que meu pai, Nicolau, desenvolveu o loteamento Recanto Aprazível, que depois adotou o nome popular de Vila Metzler, atual Bairro Metzler. Era um loteamento popular, de fácil acesso em todos os sentidos, tanto para adquirir, quanto para se locomover”, destaca. “Meu pai vendia, muito barato, não tinha financiamento bancário naquela época. Meu pai fazia financiamento direto. Eu era pequeno, tinha uns 10 anos, eu batia as notas promissórias, passava a tarde inteira batendo nota promissória”, recorda Thomas. As famílias passaram a chegar em Campo Bom já sabendo que no Metzler tinha terreno para vender, e assim o bairro foi crescendo e se desenvolvendo. “Sempre contavam a história com muito orgulho”, relembra.

A quarta geração da família, Thomas e seus irmãos, tem se dedicado para o desenvolvimento do município. Administram a construção de loteamentos, casas e edifícios. Parte da Chácara Metzler existe até hoje e permanece na família, sendo utilizada para atividades rurais como criação de gado, cavalos, equitação, eventos hípicos e reflorestamento de eucalipto. “Atualmente, todos os tataranetos de Hugo, por parte do Nicolau, meu pai, trabalham em Campo Bom, na área da Engenharia, construção e urbanização, arquitetura e vendas”, relata Thomas, que por mais de 30 anos desenvolveu sua carreira profissional no ramo calçadista.

Família Reichert

O Sr. Ernani Reuter, que é Reichert por parte de mãe, contou que a família Reichert se instalou em Campo Bom e se desenvolveu, primeiramente, na agricultura.

“Meus bisavós já eram brasileiros. Foram os meus trisavôs que vieram da Alemanha. E antes da fábrica, era tudo agricultura, todos colonos”, conta.

Seus pais, primeiramente, depois de casados, se instalaram em Sapiranga, mas vieram para Campo Bom, em Quatro Colônias, quando Ernani ainda era muito pequeno. “Saí com dois anos de Sapiranga, só me lembro o dia da mudança. Lembro que estava seguindo uma carreta de boi com a mudança”, recorda o empresário.

A empresa foi o tio, Willy Reichert, que convidou Emilio Rauber e João Fritz, para começar uma indústria de sapatos, em 1935. O pai de Ernani entrou mais tarde para o quadro de sócios, assim como seu outro tio, Albano Reichert e ainda os Hoffmeister. “Nunca pensei em sair de Campo Bom. Sou cidadão campo-bonense, sou filho adotivo!”, declara o Sr. Ernani, que nasceu em Sapiranga.

Para o futuro, ele deseja uma cidade limpa e que siga crescendo, e explica a política na sua vida. “A gente sempre tem que ter um envolvimento com o poder público. Uns mais, outros menos. Mas a filosofia é para o bem de Campo Bom. Me envolvo por trás dos bastidores. Nunca concorri, nunca quis. Meu perfil não é pra isso”, declara Ernani, que foi ainda fundador do Lions e assumiu diversas instituições, diretorias e sociedades. “Eu acho que é um dever do ser humano (se envolver). Na comunidade que ele vive, ele deve dar a sua participação”, sentencia.

Família Vetter

Foi o avô da Sra. Sonia Vetter, hoje com 73 anos, Gustavo Vetter, que junto com o irmão, Emílio Vetter, fundou, em 1904, a fábrica de calçados de mesmo nome e que em 1918 mudou-se para onde hoje é o Largo Irmãos Vetter, justamente em homenagem aos dois. A fachada da empresa foi mantida e continua servindo como a entrada oficial do Largo. Foi o bisavô de Sonia quem chegou a Campo Bom e se estabeleceu naquela região da cidade, em terras próximas ao atual Largo.

“A rua dos Andradas, toda essa rua aqui, era da minha família. Hoje, sobrou eu e meu filho”, conta Sonia, cuja única irmã, já é falecida. A administração da fábrica, fundada pelo avô, foi sendo passada para as gerações seguintes. “Foi passando de geração em geração, até que não pôde mais se manter. Foi uma pena, era uma potência na época. Meu pai sempre estava envolvido lá. Eram 4 filhas mulheres, e ele veio por último, o único filho homem, protegido pelo meu avô. Passou a vida na fábrica. Ele trabalhava no escritório”, relata Sonia, que se formou professora de matemática pela Unisinos e sempre lecionou em Campo Bom, primeiramente no antigo Ginásio, e depois na escola Ildefonso Pinto. “Eu adoro Campo Bom! Não sei como fiquei tanto tempo morando na praia. Fiquei quase 15 anos lá. Nestes anos todos, mudou muito. Isso aqui era tudo areia, não tinha nada. O apito da fábrica era pra tudo, de manhã, de noite, tudo a gente se guiava pelo apito”, recorda.

 

Texto: Sabrina Strack

Fotos: Sabrina Strack / Arquivos pessoais