Falsas informações de beneficárias do Bolsa Família na mira das Prefeituras

Região – Uma empresária de Sapiranga (que não terá a sua identidade revelada, por orientação jurídica) é uma entre as milhares de brasileiras que se aproveitam da fragilidade do programa Bolsa Família para ganhar “um dinheirinho a mais” no final do mês (mesmo que de forma criminosa). Durante 2013, ela sacou mais de R$ 1.500, aproveitando-se de um cadastro desatualizado e com informações inverídicas junto à Secretaria de Assistência Social de Sapiranga.
E é contra este tipo de cidadão, que presta informações falsas para se beneficiar financeiramente, que os gestores do Bolsa Família precisam se desdobrar. “É comum as mulheres chegarem acompanhadas pelo marido e com aliança na mão, e na nossa frente, dizer que estão separadas”, relata Izabel Cristina Sperb,  coordenadora do programa em Sapiranga.
Depois dos funcionários serem insultados por cobrar o essencial para o cadastramento de novos interessados em receber o Bolsa Família, a Prefeitura de Sapiranga adotou uma nova estratégia. “Nosso percentual de visitas domicialiares, que comprovam a veracidade das informações repassadas, deve atingir os 20%. Mas, por um longo período, isso deixou de ser realizado”, disse a coordenadora do programa.
Outro problema enfrentado em Sapiranga está relacionado ao grande número de pessoas que buscam informações sobre o Bolsa Família. “Para atender com qualidade as pessoas, implantamos um número limite de atendimentos. Agora, por dia, realizamos 50”, explica.
Condições e regras para ter direito ao Bolsa Família
Cadastramento
Se sua família se encaixa em uma das faixas de renda definidas pelo programa, você deve procurar o setor responsável pelo Bolsa Família no seu município. Será preciso apresentar um documento de identificação, como o CPF, para se cadastrar no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal. No entanto, esse cadastramento não implica que sua família passará a receber, imediatamente, o benefício do Bolsa Família.
Seleção
A seleção das famílias aptas a receber o benefício é feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com base nos dados inseridos pelas prefeituras no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal. A seleção é realizada mensalmente e o critério principal é a renda per capita da família. Isto é, tem preferência de inclusão no programa aquelas com menor renda.
Pagamento
O programa oferece às famílias quatro tipos de benefícios: o Básico, o Variável, o Variável para Jovem e o para Superação da Extrema Pobreza. O Básico é concedido às famílias em situação de extrema pobreza. O valor é de R$ 70 mensais, independentemente da composição familiar. O benefício Variável, no valor de R$ 32, é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham, sob sua responsabilidade, crianças e adolescentes entre 0 e 15 anos, até o teto de cinco benefícios por família, totalizando R$ 160. As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício Básico e o Variável, até o máximo de R$ 230,00 por mês. O benefício Variável para Jovem é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham, sob sua responsabilidade, adolescentes entre 16 e 17 anos, matriculados na escola. O valor do benefício é de R$ 38. A família pode acumular até dois benefícios, ou seja, R$ 76,00.
Entrevista com Cristina Sperb,
Coordenadora do Bolsa Família em Sapiranga
Repercussão – Como está o percentual de famílias cadastradas no Bolsa Família?
Cristina – Cada cidade tem um número de vagas para de acordo com o último censo do IBGE. Ele está diretamente ligado ao número de famílias pobres. Sapiranga possui mais de 3.379 famílias beneficiadas. Atingimos o limite. Agora, a inclusão de novos pedidos ocorrerá dentro dos critérios do MDS.
Repercussão – O controle e conferência de documentos sempre é delicado. Como ocorria esta parte?
Cristina – Expliquei para a prefeita que, em razão do controle mais rígido que estamos impondo, cancelamentos e bloqueios do Bolsa Família ocorreriam. Há casos de cadastros sem documentos básicos que devem ser pedidos, como a carteira de trabalho.
Repercussão – Quais são as tentativas mais comuns na tentativa de burlar as regras para ter o benefício?
Cristina – As informações são autodeclaratórias. Todos que pedem o benefício assinam um termo dizendo que as informações são verdadeiras. As omissões de informações fundamentais mais comuns são a de cônjuge. Metade dos cadastros, as mulheres estão solteiras ou separadas. As mulheres costumam dizer que não possuem marido, que não estão trabalhando, e mora de favor na casa de familiares.
Repercussão – Para o beneficiário ter direito a receber o Bolsa Família é necessário uma visita da assistente social?
Cristina – A concessão do benefício não depende de uma visita. Pedimos uma documentação que serve de pré-filtro. Quem vai dizer se a pessoa precisa ou não é o sistema.
Repercussão – O que vocês tentam fazer para não haver o cancelamento?
Cristina – Há casos que se tenta reverter o cancelamento pelo sistema e não funciona. Temos problemas operacionais do próprio sistema. Às vezes, é necessário enviar um ofício ao MDS para reverter a situação.
Repercussão – O que mais revolta você quando percebe que as pessoas omitem para ter o benefício?
Cristina – O que mais dói para nós que estamos aqui são aqueles que não estão no critério e dizem: mas como tal pessoa, que tem a mulher ou marido que trabalha recebem e eu não? Nos sentimos impotentes frente destas situações. Aí, aquela pessoa de idade, sofrida, que vai no supermercado e quer comprar uma bala, rapadura ou até uma mulher que deseja comprar uma blusinha, não consegue o benefício. 
Repercussão – Como ocorre os cancelamentos de cadastros fora dos critérios?
Cristina – Preciso de um laudo de uma assistente social. Não é só entrar no sistema. Precisa ter provas concretas. A assistente social dá o seu parecer. E o próprio sistema faz o cancelamento quando há irregularidades.
Auditoria traz à tona falsidades
Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que os desvios e o mau uso de recursos públicos destinados ao pagamento do Bolsa Família são uma prática generalizada e persistente. 
No Programa Bolsa Família, o descontrole do dinheiro público fica evidente. Dos 60 municípios sorteados na última fiscalização, nada menos que 59 apresentaram irregularidades na administração do dinheiro destinado à transferência de renda. Os problemas resultam basicamente na corrupção e ao grave despreparo técnico por parte dos municípios no gerenciamento e fiscalização. Há casos escandalosos, que diversos servidores municipais com renda superior ao teto do Bolsa Família recebiam o benefício. Há diversos casos de beneficiários do Bolsa Família que não poderiam receber o dinheiro porque são também aposentados ou pensionistas. 
A auditoria constatou ainda que é comum a falta de implantação de programas complementares ao Bolsa Família e também a dificuldade que as prefeituras têm na divulgação dos nomes de quem recebe os pagamentos.
Empresária do Centro de Sapiranga recebeu R$ 1,5 mil
A fragilidade nas concessões do benefício social pago pelo Ministério do Desenvolvimento Social não deixam dúvidas. Quando os gestores do programa em Sapiranga investigaram a situação econômica de uma empresária local (e beneficiária do Bolsa Família) descobriram que ela não poderia estar recebendo o benefício. A mulher recebeu mais de R$ 1,5 mil do Bolsa Família em 2013. Foram 11 parcelas de R$ 142 sacadas mensalmente e uma de R$ 102, totalizando R$ 1.520.
Conforme a gestora do Bolsa Família em Sapiranga, Cristina Sperb, no momento da entrevista na secretaria de Assistência Social, a mulher relatou que vivia de uma pensão (de meio salário mínimo – R$ 339) e tinha uma despesa mensal com alimentação de R$ 600. “Aquilo me soou estranho. A mulher relatou ainda que tinha despesas superiores a R$ 100 com energia elétrica. Além disso, pelo que apuramos, a despesa do aluguel da sala dela (em área valorizada do Centro de Sapiranga) não sai por menos de R$ 1.000”, disse a gestora. Para bloquear a concessão do benefício desta empresária, a Secretaria trabalha na elaboração de um levantamento socioeconômico. “Preciso de um parecer da assistente social. Sem ele, fico de mãos atadas”, explica Cristina.