Comentário: Sucesso e o fracasso, por Gaudêncio Torquato

Por Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

Região – O novo governo nem chega a completar dois meses de vida e já dispara um conjunto de interrogações: qual o rumo em que caminhará o país? Terá vez por aqui um populismo de direita? O presidente Jair Bolsonaro conseguirá aprovar a agenda do Executivo no Congresso? Os militares assumirão que papel no cenário institucional, o de tutela do novo governo ou o de poder moderador? A polarização política, tão acesa ao correr da campanha, tende a continuar?

As dúvidas se multiplicam ante a perplexidade que tomou conta do país com o desenrolar do affaire envolvendo o presidente Jair, seu filho Carlos e o ex-ministro da Secretaria-Geral do governo. É um exagero dizer que o país vivenciou uma crise. Não. Faltou muito para o episódio assumir o porte de crise. Pior foi ouvir o presidente nos áudios trocados entre ele e Bebianno. Que realmente manteve comunicação com o presidente, não sendo assim o mentiroso conforme atestava o Bolsonaro filho. A decolagem, portanto, ocorre com turbulência.

Daí a perplexidade. O caso, que teve muito a ver com desavenças e ciumeira, poderia ser equacionado rapidamente pelo presidente não tivesse ele agido sob o escudo familiar. Mas o extravagante comportamento do capitão deu dimensão muito maior do que o imbróglio merecia. A rispidez com que tratou seu ex-ministro e a pecha de “inimigo” com que se referiu à Rede Globo conferem um tom menor à expressão do presidente.

A emoção, que se faz presente também em suas mensagens pela rede, diz muito sobre ele. Sugere que ainda está no palanque. Abre, assim, o flanco para a permanência da polarização entre a banda da direita, da qual é o ícone, e a banda da esquerda, onde estão PT, PSOL e núcleos sociais fortes, como o da Academia.

Os primeiros 50 dias do governo não permitem dizer onde vamos parar. O teste das reformas – pacotão da segurança do Moro e nova Previdência de Guedes – será a bússola. Passando, o país terá um norte definido. Mas as dificuldades crescem. A derrota do projeto de acesso à informação mostra que a base governista não está fechada com a agenda do Executivo.

O presidente terá de engrossar o caldo populista – bolsas, melhoria geral dos serviços públicos, a partir de saúde, educação e segurança – para agradar as massas. O conservadorismo na área dos costumes marcará sua  Após a lua de mel dos quatro a cinco meses, a real politik, que começa a dar as caras, apresentará a fatura de cargos. A esfera política pode retirar apoio ao governo caso não receba compensação. O PSL, partido do presidente, com a maior bancada na Câmara, corre o risco de ver seus integrantes trocando tiros. Se o governo não for bem avaliado,  Se o governo chegar ao fim de 2019 com a inflação sob controle, juros baixos, emprego aumentando, serviços básicos melhores, Bolsonaro terá passado no primeiro teste. Mas se a esfera familiar de Bolsonaro continuar a dar o tom, é melhor desfazer a ideia de que Deus é brasileiro.

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