Comentário: Quem ganha e quem perde?

Domingos Alexandre – Bel. História.

Há mais de dois mil anos Cícero – filósofo e cônsul do Império Romano – ensinava que, se quisermos descobrir o autor de um ato ilícito ou de algum malfeito, devemos sempre e em primeiro lugar nos perguntarmos: “Cui bono?” que, em nossa língua equivale a indagar: “a quem beneficia?” e que também pode ser entendido como: “a quem interessa?”.

 

No momento em que tanto se fala na necessidade de privatização dos Correios, da Eletrobrás e, aqui no Estado, da Procergs, da Corsan e do Banrisul, cabe lembrar Cícero e nos perguntarmos: a quem estas privatizações beneficiam? Os governantes argumentam que é preciso enxugar o Estado e torná-lo mais eficiente, mas quais são os verdadeiros objetivos destes governantes? Quem perde e quem ganha com as privatizações?

 

Para criar uma empresa pública, os políticos gestores costumam se escudar nas ideias do economista John Keynes que via o Estado como indispensável agente indutor do crescimento econômico. Justificam a iniciativa enumerando os benefícios para a população em geral e descrevendo a importância da nova estatal para um rápido desenvolvimento regional e/ou setorial. De fato, está provada a relevância do papel do Estado na busca do desenvolvimento econômico e social, bem como na construção da infraestrutura de toda a Nação com ganas de progredir. O Tesouro Nacional ou Estadual gasta bilhões e a conta pesa no bolso do contribuinte. A Eletrobrás representa bem esta afirmação, visto que detêm por volta de cinquenta por cento das barragens e das linhas de transmissão de energia elétrica do Brasil. Imaginem o custo para os brasileiros de todas essas barragens, centrais elétricas e linhas de transmissões? Quem será beneficiado com a privatização da Eletrobrás? Quem será beneficiado com a entrega dos Correios? Da Corsan? Do Banrisul? “Está na cara” que os “compradores” serão exatamente aqueles aboletados no topo da pirâmide social. Podemos criticá-los? Do ponto de vista do mercado e do capitalismo, só merecem elogios afinal, estão sendo ultra competentes em fazer o dinheiro fluir do bolso do povo para os seus cofres já abarrotados. Tenhamos em mente que o Brasil é um dos Países do mundo de maior concentração da riqueza na mão de poucos privilegiados.

 

Até aqui, vimos a importância das estatais na alavancagem do crescimento econômico e social, vimos também quem paga a conta de implantação dessas estruturas, agora examinemos outros prejuízos para o povo em geral, que se agrava na medida em que se desloca para a base da pirâmide social, ou seja, que se constitui em crime (malvestido de legalidade) contra a população das classes média e baixa.

 

Como é da natureza da iniciativa privada priorizar o lucro, haverá aumento nas tarifas, localidades distantes não terão atendimento, todo serviço bancário será cobrado e não haverá uma alternativa que concorra com as empresas privadas e com seus preços impostos de forma unilateral. Não estamos dramatizando, afinal a sanha pela concentração da riqueza é tanta que privatizaram até a Casa da Moeda…

Fique bem assentado que nosso objetivo aqui não é criticar nossas “elites econômicas” que o sociólogo Jesse Souza rotula como “elites do atraso”… já afirmamos acima que é da natureza do capitalismo riqueza “atrair” riqueza. Temos ciência de que um País para ser desenvolvido, requer uma elite econômica bem capitalizada.

Nossa crítica e desaprovação é dirigida em primeiro lugar à classe política que equivocadamente contraria e afronta os interesses da maioria da população brasileira, já tão sacrificada e espoliada. Mas nossa incompreensão e inconformidade é em relação ao grosso da população brasileira já tão esfalfada e pouco cuidada que, parecendo ignorar o poder do seu voto, permite e aceita que lhes escalpelem e, pior ainda, acaba reelegendo os artífices de suas desgraças. Os eleitores têm o poder de impedir a consecução desse crime travestido de legalidade, uma vez que, aos políticos neoliberais eleitos, cabe legislar sobre estes atos, maquiando-os para que tenham aspectos legais e morais.

Sêneca, contemporâneo de Cícero disse: cui prodest scelus, is fecit, isto é, “aquele que lucra com o crime foi quem o cometeu” mas quem aprova é o político que depois vem pedir o teu voto.