Comentário: Achado não é roubado?

Foto: Arquivo pessoal

Todos já ouvimos este antigo ditado, que pode até não ser moralmente questionável quando se trata de algum objeto de valor pequeno ou quando impossível encontrar o seu dono. Porém, sabemos conscientemente que não é o correto e, para o Direito, ficar com o achado é reprovável.

Há poucos dias foi divulgado que em Palmas, no Tocantins, um servidor público aposentado limpava o pátio da casa que havia comprado há poucos meses para ser a moradia de sua filha e encontrou ali enterrado um pote de sorvete contendo 60 mil reais. Ele decidiu chamar a Polícia para recolher as cédulas, vistoriar o local e registrar a ocorrência.

Ele poderia ter ficado com o achado? As conclusões podem variar, mas pelo Código Civil Brasileiro a única resposta possível é não. Trata-se de uma “descoberta”, instituto regulado pela lei que prevê que quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono e, em não o conhecendo, deverá se esforçar para encontrá-lo e, se realmente não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.

Pela aquisição recente do imóvel e pela surpresa, parece que se tratou realmente de um caso de descoberta. O sortudo optou pela prudência e procurou imediatamente a polícia, já que o achado foi bastante incomum e, tratando-se de dinheiro, é compreensível o receio e a provável dificuldade em localizar o verdadeiro dono, que pudesse comprovar tratar-se de produto lícito.

Colaborando um pouco com a sorte do Gastão da região norte, o código civil também estipula que aquele que restituir a coisa achada terá direito a uma recompensa, essa não inferior a cinco por cento do seu valor e, ainda, a ter indenizadas as despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa.

Como se deu a entrega às autoridades, essas deverão tornar a notícia pública, pela imprensa e por editais, para que o verdadeiro dono se apresente e comprove sua propriedade. Se isso não acontecer no prazo de 60 dias, deverá ser paga a recompensa de quem fez a descoberta e o saldo passa a ser do município no qual aconteceu o fato. Embora haja notícias de que, nesse caso, já havia uma investigação em andamento, possivelmente sendo o valor objeto de ilícito e que acabará tendo outro destino.

Porém, caso venha a ser paga a recompensa prevista em lei, o recebedor deverá oferecer o valor à tributação do imposto de renda, de acordo com a legislação tributária, especialmente por ser um “provento de qualquer natureza”, conforme o conceito de renda tributável do Código Tributário Nacional. Se descumprisse o Código Civil, ficando com o dinheiro, ainda assim o autor da descoberta deveria tributar a totalidade do achado, já que o imposto de renda incide inclusive sobre renda ilícita.

Esse fato pitoresco nos lembra de que todas nossas relações patrimoniais, aquelas que envolvem algum valor financeiro, estão reguladas pela legislação, principalmente a tributária. Sim, o Leão é sempre o maior sortudo!

Maristela Cardoso da Rosa, advogada especialista em Direito Tributário na Arnold da Fonte & Cardoso da Rosa Sociedade de Advogados – OAB/RS 096.430