Sombrio, mas revigorante

Desafio qualquer um a ver os dez minutos iniciais de Watchmen e não se arrepiar. Digam o que quiserem de Zack Snyder (e sim, há muito o que dizer), mas o fato é que o diretor conseguiu condensar em meros minutos décadas de um mundo com um história tão complicada quanto a nossa.

Isso porque, de várias maneiras, o mundo de Watchmen é o nosso mundo, moldado e modificado por um único fator: a presença de heróis mascarados, que combatem o crime. Eles são humanos e falíveis e muitas de suas ações são questionáveis. Nossa história se passa em 1985, onde os heróis mascarados agora são considerados como foras-da-lei. Os que continuam na ativa ou o fazem clandestinamente ou sob serviço do governo dos Estados Unidos. Quando um dos mascarados é assassinado, cabe aos heróis renegados investigar sua morte.

Aqui deve ser feita uma importante distinção. Em Watchmen, apenas um dos chamados “heróis” é sobre-humano e possui poderes de verdade. É esse ser, cuja alcunha é Dr Manhattan e tem o poder de alterar moléculas como bem entender – ele pode atingir cinco metros de altura, se multiplicar e, numa cena emblemática para qualquer um que já ouviu histórias bíblicas, andar sobre a água – , que muda toda a história da humanidade como a conhecemos. Com a ajuda de Dr Manhattan, os Estados Unidos desse universo alternativo venceu a Guerra do Vietnã e mantém Richard Nixon como presidente. São os poderes do Dr Manhattan, um humanóide azulado que sente pouca ou nenhuma empatia pela humanidade, que fazem com que a União Soviética não ataque a América – já que o próprio Dr Manhattan pode ser considerado como uma arma de destruição em massa.

Esse cenário é fruto da mente de Alan Moore, escritor da graphic novel publicada em 1986, que originou o filme. Por muito tempo, falou-se que o mundo quase distópico e cruel criado por Moore era “infilmável”. Seu alto nível de complexidade, tanto em questão de narrativa quanto de personagens, tornava-a impossível de ser adaptada para o cinema, na avaliação de fãs e profissionais do meio dos quadrinhos, incluindo o próprio Alan Moore, que não quis ser creditado no filme de Zack Snyder como autor da história – quem levou os louros foi Dave Gibbons, ilustrador da graphic novel.

Antes de ganhar vida nas mãos de Snyder, houve uma série de tentativas de trazer Watchmen às telas. Entre os diretores cotados para assumir a bronca estavam Terry Gilliam, que trabalhava com um roteiro que divergia drasticamente da história original. Darren Aronosfsky queria trazer a história para um período mais atual e substituir a Guerra do Vietnã pela Guerra do Iraque, assim como Paul Greengrass. Finalmente, em 2007, Zack Snyder, o então badalado diretor de 300, assumiu o projeto.

O produto final de Snyder, ainda que não inteiramente fiel ao material original – a mudança no final do filme é a razão pela qual chamamos o filme de uma “adaptação cinematográfica”, pessoal. A palavra chave aqui é “303” -, faz um esforço hercúleo para honrar o mundo criado por Alan Moore. Em tempos de Vingadores, heróis coloridos que fazem piadinhas na tela a cada dois minutos de filme, o não tão admirável mundo novo de Watchmen mais parece um sopro de ar fresco.