O Expresso do Amanhã

 

Por Nicole Roth

O ano é 2014. Após uma tentativa desastrosa de parar os efeitos do aquecimento global, as temperaturas na Terra caíram drasticamente – e os únicos sobreviventes estão a bordo de um trem que, segundo a promessa de seu desenvolvedor, deve “se movimentar para sempre”. Em 2031, o trem ainda se movimenta – carregando alguns passageiros que nunca colocaram os pés em terra firme e cujo único conceito de mundo é o trem. Assim como em um avião, temos aqui a primeira classe – e assim como com passageiros de um transporte comum, a classe econômica sonha em escalar até o topo, ou seja, à primeira classe. De certa forma, é essa escalada que acompanhamos em Snowpiercer, que no Brasil ficou com o título de “Expresso do Amanhã”. Dirigido pelo sul-coreano Joon-ho Bong, o longa de 2013 é baseado em uma história em quadrinhos francesa, chamada “Le Transperceneige”, de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette.

Os passageiros da “primeira classe” (aqueles que, quando o desastre aconteceu, tinham dinheiro o suficiente para estarem no primeiro vagão) desejam manter sua posição e o status quo. Para justificar suas intenções, a primeira classe bolou uma doutrina, segundo a qual “todos têm sua posição particular pré-ordenada”. Como a personagem de Tilda Swinton diz em um determinado momento, “o lugar do sapato é no pé e o do chapéu, na cabeça.” Portanto, os passageiros do último vagão são os sapatos, cujo lugar correto é no pé (ou seja, na traseira do trem) e os passageiros do primeiro vagão são os chapéus, cujo lugar é na cabeça (na frente do trem).

Buscando dar um fim à doutrina determinista da primeira classe estão Curtis (interpretado por Chris Evans) e Gilliam (interpretado por John Hurt), que desenvolvem um plano para tomar conta do trem e chegar ao primeiro vagão – onde nenhum deles jamais esteve. O Curtis de Evans é um líder relutante, que esconde um passado um tanto sombrio – Joon-ho Bong vai aos poucos revelando leves pistas sobre esse passado ao longo do filme – por trás da sua motivação justa e humanista.

Acompanhamos o avanço de Curtis e dos demais revoltosos como se acompanhássemos a evolução de fases de um jogador de videogame – cada vagão alcançado é uma nova fase pela qual devemos passar. E como qualquer videogame que se preze, o desfecho dessa escalada acaba na “sala das máquinas”, onde Curtis encontra o chefão todo-poderoso Willford, a mente brilhante por trás do trem e da tecnologia que faz com que seu motor nunca pare de girar. Trazendo elementos de todas as distopias possíveis, de 1984 a Admirável Mundo Novo com até mesmo um leve quê de Matrix, Snowpiercer se apresenta como um estudo da humanidade e daquilo que ela é capaz para garantir sua sobrevivência.