Intocáveis

Por Nicole Roth

Um malandro, cuja principal fonte de conhecimento é a vida nas ruas de Paris, acaba sendo contratado para cuidar de um milionário tetraplégico, criando um choque de realidades. Dito assim, parece que o que vem a seguir é “…e ele aprontou altas confusões!”, fazendo de Intocáveis um legítimo filme de Sessão da Tarde, e não um dos filmes mais (trocadilhos a parte) tocantes de 2011.

Olivier Nakache e Eric Toledano, diretores do longa, também assinam o roteiro, que é um ponto forte desse filme recheado de acertos. Há um equilíbrio bem dosado entre o drama e a comédia – o que ganha ainda mais embasamento quando se leva em conta que o filme se trata de uma cinebiografia: tal qual a vida real, Intocáveis apresenta momentos de alegria e tristeza, de justiça e injustiças.

Para contar a história verdadeira do “malandro” e do “milionário”, os diretores escalaram Omar Sy, que dá vida a Dris (o malandro) e François Cluzet, que faz o papel de Philippe (o milionário tetraplégico). Os diretores chegaram a mudar a nacionalidade do personagem de Omar Sy – Abdel, o Dris da vida real, é algeriano -, para trabalhar com o ator novamente (ele estava em Tellement Proche, filme de Nakache e Toledano de 2009). A mudança funciona maravilhosamente em tela: a química entre Omar Sy e François Cluzet é evidente desde sua primeira cena juntos. Aliás, Omar Sy faz com que todas as relações de Dris na tela – até aquelas mais desfuncionais – sejam críveis. O trabalho de François Cluzet era ainda mais difícil: ele não tinha a possibilidade de atuar com “sua corporalidade” como Sy faz. Coube a ele passar ao espectador como é estar preso dentro do próprio corpo – e, mesmo assim, achar motivos para sorrir.

Um desses motivos que fazem Philippe sorrir é o próprio Dris, que forma uma sincera amizade com Philippe. É aí que os diretores/roteiristas mostram sua verdadeira competência: o balanço delicado entre o mundo quase surreal de Philippe e o mundo marginalizado de Dris poderia facilmente ter descambado para um retrato piegas e pouco real da sociedade. Pelo contrário, os diretores não abrem mão de mostrar pessoas dormindo ao relento – em plena Paris! – em contraste com a residência de Philippe, quase um palácio da era contemporânea.

Não há nada deslocado ou sem propósito em Intocáveis: Earth, Wind & Fire estão lá como um perfeito contraste a Chopin, espelhando os contrastes entre Dris e Philippe; Nina Simone eleva quem a escuta a outro nível, da mesma forma que os protagonistas são elevados na cena em que a cantora entoa “Feeling Good”. Ao final, ao ter uma breve visão dos verdadeiros protagonistas dessa história, o espectador não consegue evitar de sentir que está reencontrando velhos amigos.