Colossal

Por Nicole Roth

Obras de ficção científica e fantasia são para muitos um escape da nossa realidade. Elas estão em sua melhor forma, porém, quando dizem algo a respeito de nós e do mundo em que vivemos, funcionando como um espelho ou uma metáfora para situações ou conflitos enfrentados pelas pessoas comuns. É isso que acontece em Colossal, um filme que se disfarçou, em seu trailer, de comédia romântica misturada com o popular gênero dos “filmes de monstro” para falar de abuso, machismo e alcoolismo.

Gloria (Anne Hathaway) é uma escritora desempregada e alcoólatra, cujo namorado a expulsa de seu apartamento. Gloria se muda para uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos, para a até então vazia casa de seus pais e lá reencontra Oscar (Jason Sudeikis), um velho amigo de infância. É aí que as coisas começam a ficar estranhas: um monstro reptiliano gigante ataca Seul e Gloria, aos poucos, percebe que tem uma conexão com o monstro e que, possivelmente, ela esteja causando centenas de mortes do outro lado do mundo.

É com essa ideia, de expor os demônios internos que todos carregamos, que Colossal brinca, de forma literal e metafórica. Mas é quando o longa tem uma virada inesperada – porém muito bem feita – e passa a abordar formas de abuso – verbal, psicológico e, por fim, físico – sofridos no longa por Gloria e no mundo real por milhares de mulheres todos os dias que o filme se firma como uma obra à parte do resto. A transformação gradual de Oscar de amigo de infância familiar e confiável em um estranho desequilibrado e violento é quase inacreditável: assim como muitas mulheres não conseguem acreditar na transformação gradual de seus parceiros em abusadores, o espectador demora a entender o que se passa em tela. A cena que sementa essa transição é de arrepiar, como é a coragem do diretor Nacho Vigalondoa ao fazer um filme que vira a comédia romântica de cabeça para baixo e resolve falar de abusos em um filme de monstros, sejam eles humanos ou não.