Beasts of No Nation

Por Nicole Roth

Certas histórias são difíceis de serem contadas, e ainda mais difíceis de serem ouvidas – porque são desconfortáveis, porque trazem para diante de nossos olhos uma realidade que talvez fosse mais fácil de ser ignorada. O longa metragem da Netflix, Beasts of No Nation, certamente conta uma dessas histórias, tão incômoda quanto indispensável.

Em Beasts of No Nation, o espectador acompanha a jornada de Agu, um menino africano que se perde de sua família, em meio à guerra que assola seu país, e se torna uma das muitas crianças soldados formadas pelo histórico de guerras civis que tomam o continente africano. Um dos acertos do filme é justamente não identificar qual o país cuja história estamos acompanhando, pelos olhos de Agu – pode ser Ruanda, cujo drama vivido em 1994 já foi retratado de forma competente em Hotel Ruanda, pode ser o Congo, pode ser qualquer país. É assim que o filme comunica ao público – que já sabe disso, mas esquece – que ele não está diante de uma história particular, de uma exceção, mas sim da regra: é algo corriqueiro, que acontece todo dia, a milhares de crianças da África.

A história da transformação de Agu (interpretado de forma impecável pelo estreante Abraham Attah), de uma criança imaginativa em um soldado, que precisa enfrentar não só os horrores da guerra para a qual é arrastado, mas também a brutalidade das crianças soldado ao seu redor e do igualmente charmoso e perigoso Comandante (vivido por Idris Elba, em mais um papel memorável) é quiçá o longa metragem mais violento e cru de 2015, que não hesita em lembrar o público, nos momentos mais inoportunos, de que o que ele vê em tela são crianças, que por certo deveriam estar em casa, com suas famílias, na escola, ou brincando. É mérito do diretor e roterista Cary Joji Fukunaga – que dirigiu a primeira temporada de True Detective, abalando as estruturas do que era considerado uma boa narrativa na televisão norte-americana – e também de Uzodinma Iweala, descendente de nigerianos que escreveu o romance no qual o filme é baseado. Cenas de violência são intercaladas com momentos introspectivos, que servem para fazer o espectador sentir, junto de Agu, aquilo que ele vê em tela. Beasts of No Nation foi produzido por um serviço de vídeo on demand, mas é cinema em sua mais pura forma.